Filme do dia (104/2021) - "A Voz Suprema do Blues", de George C. Wolfe, 2020 - EUA, 1927. No sul dos EUA, a cantora de blues Ma Rainey (Viola Davis ), chamada de "a mãe do blues", impera em teatros e casas de shows para um público exclusivamente negro. De olho no sucesso da cantora e mirando o público branco do norte do país, um produtor de Chicago chama Ma Rainey para uma gravação. Tem início um jogo de forças entre a voluntariosa cantora negra e o produtor branco pelo controle da gravação. Paralelamente, o trompetista Levee (Chadwick Boseman) sonha em ter sua própria banda, com a mesma voz ativa que Ma Rainey demonstra no trato com os brancos.
Baseado na peça teatral "Ma Rainey's Black Bottom" (também título original do filme), de August Wilson, o filme discorre sobre a tensa e complexa relação entre negros e brancos no começo do século XX, sobre as diferenças culturais entre o norte e o sul dos EUA, sobre a apropriação cultural da música negra pela indústria fonográfica e sobre a necessidade dos negros se imporem para conquistarem seu espaço na sociedade branca e racista norte-americana. Ma Rainey era uma estrela que movimentava fortemente a economia local do sul dos EUA. Seu público sulista era exclusivamente negro, dado o racismo muito mais arraigado naquela região do país. No norte, Ma Rainey tinha potencial para conquistar o mercado "branco", mas a artista não cederia tão facilmente sua voz e seu talento para aquele público branco. Sabendo que a intenção do produtor seria descartá-la assim que alcançasse seu intento - gravar um disco com suas músicas - Ma Rainey tornou a tarefa árdua, exigiu o seu quinhão e portou-se como a diva que era, mostrando ao produtor quem tinha o controle da situação. Devo dizer que é uma delícia ver, em cena, o "poder de fogo" da personagem Ma Rainey, que não deixava nada passar barato. O filme tem um grande mérito - e um problema terrível. O mérito é um elenco formidável, encabeçado por Viola Davis, fabulosa como Ma Rainey e quase irreconhecível, com sua maquiagem carregadíssima, suas roupas exuberantes e sua atitude arrogante - sabendo que a atriz é, na realidade, elegantérrima por todos os ângulos que se olhe! Acompanhando Viola, Chadwick Boseman tão fenomenal quanto, em um papel complexo, cheio de altos e baixos, como Levee - a cena em que o personagem narra um traumático acontecimento de sua infância é impressionante!!! No elenco, ainda, Glynn Turman como Toledo e Colman Domingo como Cutler, ambos extremamente bem. Okay, mas qual é o problema??? O problema é que a obra não nos deixa esquecer, por um só instante, de que se trata de uma adaptação de uma peça de teatro. O tipo de triangulação dos personagens, os diálogos, a movimentação dentro de ambientes estanques, tudo remete a uma peça teatral. Em outras palavras - a obra foi mal adaptada para o formato cinematográfico, tornando-se, por vezes, maçante, em especial em algumas cenas com excesso de "falatório" (o ambiente do estúdio chega a ser claustrofóbico, principalmente pela sensação de "sauna" que os personagens claramente exibem). Eu diria que o filme, no geral, é bacana, até por trazer conteúdo de ideias e informações, mas, em alguns momentos, fiquei com um sono doido. Destaque para todas as cenas da personagem Ma Rainey cantando, para a já mencionada cena da lembrança de Levee e para a cena final do sapato. Pelo filme, Chadwick Boseman recebeu o Globo de Ouro de Melhor Ator em filme dramático - póstumo, já que, tristemente, o ator faleceu durante a pós-produção da obra. Apesar da questão negativa apontada, ainda acho que vale muito a visita.
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