top of page
hikafigueiredo

"Alma Viva", de Cristèle Alves Meira, 2022

Filme do dia (135/2022) - "Alma Viva", de Cristèle Alves Meira, 2022 - A menina Salomé (Lua Michel), que emigrara para a França junto com sua mãe, retorna para sua pequena aldeia no norte de Portugal todos os verões para passar um tempo com sua adorada avó. Em uma das visitas, a avó da criança é acometida de um mal e vem a falecer. Enquanto a família se vê às voltas com o funeral, Salomé crê que o que aconteceu foi obra de uma bruxa local.





Representante de Portugal na disputa por uma vaga no Oscar(2023), o filme retrata um pouco da mística existente em qualquer pequena comunidade interiorana ao redor do mundo. Na história, o catolicismo dominante em Portugal não impede que os moradores do vilarejo abracem, com fervor, simpatias, ritos pagãos e práticas supersticiosas em seu dia-a-dia, que os levam a viver uma realidade fortemente ambígua e mágica. O que observamos, naquela aldeia, é que todo e qualquer acontecimento é creditado à forças escusas, supostamente advindas de pessoas da própria comunidade, vistas como "bruxas". Lógico que a ideia de "bruxa", aqui, está profundamente impregnada por uma crença beata que remonta à Inquisição e que, para variar, recai sobre as mulheres idosas e solitárias. Assim, o apego religioso da avó de Salomé, como o de outras idosas da aldeia, é visto, por vezes, como uma beatitude, por outras como uma maldição. Muito embora o estigma negativo que as ideias de bruxa e bruxaria trazem, a obra se caracteriza por sua singeleza. O misticismo que prevalece no vilareja evidencia, antes de mais nada, uma grande inocência, uma profunda ingenuidade, daqueles habitantes, os quais, sem ter uma compreensão mínima da ciência, acabam legando todo e qualquer acontecimento a uma realidade fantástica, que a tudo permeia. Pois é nessa crença mágica que a narrativa se apoia e se desenvolve, numa equilibrada mistura de drama e comédia, sempre pelo olhar curioso e assustado da menina Salomé. Essa narrativa mostra-se, ainda, afetuosa, acolhedora e estranhamente familiar - o espectador sente-se bem em meio àquela confusão que se estabelece com o falecimento da matriarca e entre as brigas homéricas envolvendo parentes que passam quase misteriosamente dos gritos e ofensas para o afeto e o acolhimento (e vice-versa). A narrativa é linear, em um ritmo moderado e agradável, bastante adequado à trama. As inúmeras brigas, disputas e acusações que acontecem ao longo da história são insuficientes para acarretar uma atmosfera pesada - repito que é uma obra que traz muito mais leveza do que o tema sugeriria. Tecnicamente, é um filme redondinho, que, se não se mostra extraordinário, tampouco peca em qualquer quesito. A fotografia privilegia os planos fechados, em especial nas expressões dos envolvidos, com evidente destaque para a protagonista Salomé. Essa câmera perscrutadora consegue extrair uma dramaticidade impressionante dos intérpretes, mesmo quando eles estão apenas parados, observando os acontecimentos. Achei interessante a musicalidade da obra, marcada pelos cânticos religiosos e por músicas tradicionais portuguesas. O elenco, formado, majoritariamente de atores e atrizes não profissionais - começando pela protagonista, Lua Michel, filha da diretora - é impressionantemente capaz e não peca em momento algum, transformando-se, inclusive, numa das maiores forças do filme. O elenco, ainda, é formado quase que somente por mulheres, retratando as três gerações daquela família. Dos intérpretes, é fato que o destaque absoluto é da menina Lua Michel, que interpreta Salomé. Seu olhar expressivo carrega de emoções e significados absolutamente todas as cenas em que ela aparece - e ela raramente sai de cena. No elenco, também, Catherine Salée, Jaqueline Corado e Ana Padrão. Olha... eu diria que o filme é, antes de tudo, confortável, "quentinho", gostoso. Pode nem ser uma obra extraordinária, mas achei incrível como a diretora aproveitou muito bem o que tinha em mãos e fez um filme tão "amorzinho". Eu gostei. Recomendo (passando da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo).

3 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page