Filme do dia (294/2020) - "Branco Sai, Preto Fica", de Adirley Queirós, 2014 - Em um baile funk em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, no ano de 1986, uma ação policial deixa dois homens - ambos negros - feridos com gravidade. Anos depois, o encontramos - um paraplégico, preso a uma cadeira de rodas e, o outro, mutilado - fincados na mesma pobreza. Um viajante do futuro retorna ao ano de 2012 para colher provas acerca do terrível evento e, assim, denunciar a violência do Estado contra a população periférica.
Não vou negar que o filme me gerou sentimentos bastante contraditórios. Por um lado, acho incrível a ideia de retratar a situação dos bairros e população periféricos "de dentro", com o olhar de quem tem lugar de fala e sabe do que está falando. Também achei interessante a união de ficção e documentário - muito embora tenha curtido muito mais esse lado documental. E, por fim, admiro uma certa relação que o filme tem com o cinema marginal dos anos 60 e 70, onde a produção do filme era meio "sucateada", usava-se o que estava à mão, sem se preocupar muito com esteticismos ou qualidade técnica. Mas, por outro lado, achei o desenvolvimento da narrativa arrastadíssimo e tiveram momentos em que eu - com o perdão da sinceridade - achei a obra chatésima. Mas, acima de tudo, não captei a intenção do diretor em incluir na história - que para mim era relevante por si só - um componente de ficção científica. A história do viajante do tempo não me desceu, nem envolveu e, para mim, tirou o foco daquilo que eu entendia como mais vitais - o documentário, a denúncia acerca da violência estatal contra a população mais humilde e o racismo estrutural, constantemente legitimado por um estado violento e excludente. Okay, entendo que não é meu lugar de fala, que o filme foi concebido "de dentro" daquela situação de exclusão, etc, mas, como espectadora, acredito que possa dar a minha opinião acerca da obra, né? Então, sob esta ótica do espectador, o filme falou menos do que tinha potencial. Gostei muito do fato de os personagens Marquim da Tropa e Schokito serem interpretados por eles próprios, fundindo ficção e documentário. Adorei as cenas da rádio pirata de Marquim da Tropa, aquele som black music dele foi sempre muito bacana. Mas achei que o filme tem muuuuuuitos tempos mortos, momentos repetitivos que se sucedem sem trazer nada de novo. E, de boas, achei um saquinho a parte da ficção científica, muito embora tenha curtido a forma mambembe como resolveram as questões técnicas, o que me remeteu imediatamente ao cinema marginal das décadas de 60 e 70. É, com certeza uma obra ousada, com um tanto de inovação e muito corajosa, mas não vai agradar quem espera um filme convencional e preza muito a qualidade técnica - se for seu caso, esqueça, não assista. Já que curte obras diferentonas, topa ousadias e não liga para a questão estética, vale a viagem.
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