Filme do dia (26/2020) - "Deus é Mulher e seu Nome é Petúnia", de Teona Strugar Mitevska, 2019. Macedônia, 2018. No dia 19 de janeiro, um ritual tradicional acontece naquele país - o pároco de cada cidade joga, em um rio, uma cruz ancestral que simboliza a prosperidade e quem resgatá-la primeiro das águas será por ela abençoado por um ano próspero e feliz. Petúnia (Zorica Nusheva), uma mulher de 32 anos, solitária, desempregada e fora dos padrões, passa pelo rio no exato momento em que a cruz é lançada e, no ímpeto, acaba recuperando o objeto, ignorando a tradição de só os homens poderem participar do ritual, o que causará um alvoroço na sua cidade.
A obra discorre sobre o machismo estrutural, o preconceito contra as mulheres, a luta contra o patriarcado, o poder da religião sobre o estado, o enfrentamento feminino e a masculinidade frágil de muitos homens. Apesar de ter gostado bastante da obra, ela chegou a me irritar, tamanha a veracidade do que está contido nela. Petúnia é vítima constante do machismo pois está fora dos padrões vigentes, sendo considerada feia, gorda e velha. Sem conseguir emprego e estando só, Petúnia se joga no rio e recupera a cruz na esperança de ter alguma prosperidade. Sua ação desencadeia a fúria da Igreja Ortodoxa e dos homens que perderam a competição por recuperar a cruz - e o que se segue é um festival grotesco e extremamente real de desrespeito e abusos contra a personagem. Ela é xingada, agredida e ameaçada pelo homens que estavam no ritual, mas essa é só uma parte do abuso que ela enfrenta. Do desdém do promotor às risadas jocosas do delegado e dos policiais, até a pressão exercida pelo pároco local, Petúnia encara todas as violências, sutis ou não, que qualquer mulher enfrenta em um país machista. Achei perfeito como a diretora consegue captar essas diversas formas de violência e como Petúnia enfrenta tudo apenas com sua vontade ferrenha e sua lógica irônica e mordaz. Também há uma discussão embutida acerca da laicidade do estado, já que a religião - no caso, a Igreja Ortodoxa - tem influência gigantesca sobre os poderes públicos daquele país. Como eu disse, é tanta coisa real que dá para ficar enfurecida ao longo da história. A temática é exemplar e o roteiro é muito bem construído, mas o mesmo não se pode dizer dos quesitos técnicos. Com um formato meio estranho, fotografia meio fosca, feia, e posicionamentos de câmera horrorosos (tem cena em que os personagens estão cortados pela metade e sobra um monte de nada que poderia evitar o corte), visualmente é um filme pobre e que deixa a desejar - uma pena porque a história é muito boa. A interpretação de Zorica Nusheva, por outro lado, é ótima e ajuda a criar forte empatia pela personagem. O filme me agradou bastante, apesar dos problemas com a imagem, mas não deixo de recomendar.
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