Filme do dia (52/2024) – “Dr. Jekyll e Mr. Hide – À Beira da Loucura” (ou “No Limite da Sanidade”), de Gérard Kikoïne, 1989 – Londres, século XIX. O prestigiado médico Dr. Jekyll (Anthony Perkins) faz experimentos com uma nova droga utilizada como anestesia – a cocaína. Fazendo uso da substância para sua pesquisa, Dr. Jekyll perde o controle de si próprio, trazendo, à tona, uma personalidade transtornada e potencialmente perigosa, autointitulada Mr. Jack Hide.
Peguei esse filme para ver somente por ele fazer parte do box de terror a que estou assistindo – tenho admitida antipatia pela história de Dr. Jekyll e Mr. Hide e a fusão prometida da obra com os acontecimentos perpetrados pela figura de Jack, o estripador, não tornaram a obra nem um pouco mais promissora. Pois o filme foi uma completa surpresa – positiva – para mim! Não que seja um filme excepcional, mas ele definitivamente tem aspectos bastante interessantes e que fizeram a visita valer muitíssimo à pena. A história tem, por base, a mesma divisão de personalidade do protagonista encontrada no livro homônimo – o médico respeitável que traz, em seu interior, uma segunda personalidade, violenta e doentia, chamada Mr. Hide. Ocorre que, aqui, a figura de Mr. Hide funde-se à do célebre serial killer denominado Jack, O Estripador, que, na segunda metade do século XIX alvoroçou as ruas de Londres com seus assassinatos de prostitutas. O filme consegue mostrar a dicotomia do protagonista de uma maneira muito bacana e criativa – os momentos em que Dr. Jekyll está no controle a fotografia é clara, os posicionamentos de câmera são bem convencionais, a câmera é predominantemente fixa, o ritmo é mais pausado, o desenho de produção faz uso de numa estética vitoriana (roupas, objetos), são usadas cores claras, principalmente tons pastéis; já quando Mr. Hide está no controle, a fotografia é escura, bem mais contrastada, há o uso de luzes coloridas, as cores são saturadas, com o predomínio do vermelho, a câmera é nervosa, com muito movimento, os planos são desnivelados (a imagem aparece inclinada), há o uso de lentes grande-angulares para distorcer a imagem, o ritmo acelera – as cenas longas dão lugar a cenas bem mais curtas – e o desenho de produção passa a mesclar o figurino vitoriano original com roupas, cabelos e maquiagens modernos, oitentistas, com clara inspiração na pop star Madonna (brincos de cruz gigantes com strass colorido, corselets de couro com detalhes metalizados, e até um cinto escrito “boy”, bem no estilo da cantora). Essa estética relacionada ao Mr. Hide chega a ser anacrônica, trazendo elementos completamente inexistentes no século XIX. Assim, formalmente, temos essa dicotomia entre o convencional e o subversivo, que chega a trazer uma atmosfera surrealista para a obra. O roteiro talvez não acompanhe a produção esmerada, mas, cá entre nós, baseia-se numa novela de 1886, não daria para subverter mais sem perder completamente a fidelidade ao original – já achei muita ousadia ligar a história com os acontecimentos reais promovidos pelo assassino em série Jack, O Estripador. O elenco é encabeçado pelo ótimo Anthony Perkins, um ator talentoso e competente que, infelizmente, foi engolido por sua performance mais famosa, a do serial killer Norman Bates (“Psicose”, 1960) – o ator tinha profunda dificuldade em conseguir papeis “normais”, ele só era escalado para personagens transtornados e problemáticos, e aqui temos um exemplo claro disso. O trabalho do ator é bom, cabe bem à história, mas talvez seja um pouco histriônico quando no papel de Mr. Hide. No elenco, ainda, Glynis Barber como senhora Jekyll, Sarah Maud Thorp como a prostituta Susannah e Ben Cole como Johnny (o personagem mais anacrônico da obra). Olha, não é nenhuma obra prima, mas conseguiu segurar a minha atenção o tempo todo e achei a produção muito esmerada para os anos 80. Eu confesso que gostei e considerando que a base é uma história da qual eu não gosto, isso é uma grande coisa. Segundo o Justwatch, o filme está em streaming no ScreenPix Apple TV Channel (nem sei o que é isso, mas é o que tem para hoje).
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