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hikafigueiredo

"Licorice Pizza", de Paul Thomas Anderson, 2021.

Filme do dia (34/2022) - "Licorice Pizza", de Paul Thomas Anderson, 2021. San Fernando Valley, Califórnia, 1970. Gary Valentine (Cooper Hoffman) é um adolescente de quinze anos que conhece Alana Kane (Alana Haim), uma moça dez anos mais velha. Gary rapidamente se interessa pela jovem, que, embora o veja como um menino, acaba desenvolvendo um forte apego pelo rapaz.





Difícil definir a nova obra de Paul Thomas Anderson. Diferentemente da maior parte de seus filmes anteriores, este não traz uma atmosfera pesada, não discorre sobre tipos dramáticos, traumatizados ou neuróticos e nem nos joga em um ambiente que exige nossa reflexão e a lenta digestão da obra. Não, "Licorice Pizza" é a antítese de tudo isso, um filme leve, divertido, que lida com temas gostosos, confortáveis, e que nos remete a um outro tempo, surgindo um sentimento de quase saudosismo. Basicamente, o filme trata da descoberta do primeiro amor, da ansiedade juvenil, da autodescoberta de uma jovem e de sonhos ingênuos de sucesso e fortuna. Ainda que a obra traga, como pano de fundo, crises e dramas daquele específico momento histórico - como a menção à Guerra do Vietnã e a crise do petróleo -, nada rompe a espessa camada de otimismo e inocência da juventude, representados por aqueles jovens que têm, à frente, todo um horizonte de oportunidades e anseios. O filme trabalha, ainda, com a contraposição dos protagonistas: de um lado, Gary, um jovem ator e empreendedor ousado, com excessiva autoconfiança, desprendido e articulado, que aborda as pessoas com a desenvoltura de uma velha raposa apesar da pouquíssima idade; do outro Alana, uma jovem mulher um tanto quanto perdida, confusa, insegura e invisível, sem rumo profissional ou afetivo e com quase nenhum controle emocional. Enquanto a obra lida com os encontros e desencontros da dupla, vai surgindo uma química entre os protagonistas que nos conduz à mais sólida torcida pelo final feliz do casal - nenhuma diferença entre os personagens, nenhuma disputa ou briga que surja entre eles, nos demove de ansiar por um final romântico entre Gary e Alana, mesmo que, como eu, o espectador não seja grande fã do gênero romance. Aliás, a obra é bastante curiosa nesse ponto, pois, apesar da fortíssima vocação do filme para o romance, ele não tem nada de romântico ou meloso - os personagens vivem às turras, o flerte entre eles é truncado, os desencontros dão a direção da história, ambos os protagonistas espicham seus olhos para longe do outro, numa evidente negação daquilo que o espectador tem evidente - o profundo afeto, bem-querer e amor que um tem pelo outro. Uma coisa que me chamou demais a atenção - e que eu adorei - é que nenhum dos atores ou atrizes da obra caem naquela clássica imagem "padrãozinho" - todo mundo no filme é absolutamente comum, com tipos físicos os mais diversificados e longe da perfeição imposta pelo imaginário social. Alana é uma mocinha comum, de nariz adunco, olhos pequenos, lábios finos e sorriso irregular; Gary é gordinho, tem espinhas no rosto e o horroroso corte de cabelo da moda nos anos 70. E assim são todos os demais personagens, ninguém parece saído de um molde ideal. A narrativa é linear, em ritmo moderado e irregular, focada em fragmentos da trajetória da dupla que parecem grandes blocos de momentos dos dois. A atmosfera é muito leve, com várias passagens meio cômicas, mas também traz um sentimento de urgência, uma ansiedade por algo mais bastante juvenil. Tecnicamente, o que mais me chamou a atenção, foi a direção de arte setentista - os figurinos, maquiagem, cabelos e direção de objetos nos remetem aos anos 70, mas não aqueles do glamour, mas o que se via na rua, na casa das pessoas. A fotografia é marcada por infinitos travellings, porque os protagonistas parecem fazer tudo sempre correndo - como já disse, tudo é urgente, imediato, quando não "para ontem". O elenco é um capítulo à parte. O jovem ator Cooper Hoffman - filho do maravilhoso e saudoso Philip Seymour Hoffman - mostra que herdou o talento do pai e entrega um Gary carismático mesmo quando faz alguma coisa bem "babaca" - o que o personagem faz algumas tantas vezes. Gary é tão natural e autêntico na sua segurança extrema que até esquecemos que ele é pouco mais que um menino, do alto de seus quinze "quase dezesseis" anos. Alana Haim, na verdade, é uma musicista, que o diretor PTA conheceu ao dirigir videoclipes da sua banda de pop rock - a banda Haim, montada junto com suas duas irmãs. Considerando que Alana não é atriz e estreou em "Licorice Pizza", ela fez um trabalho extraordinário, nos presenteando com uma Alana Kane sensível e estressada, confusa, numa jornada de autoconhecimento e de descoberta do outro, que passa o filme batendo cabeça até "realizar" o que ela realmente gostaria de fazer. Apesar de sua nenhuma experiência, gostei demais de seu trabalho. Mas, o elenco não para por aí, temos participações incríveis de atores e atrizes que são a cereja do bolo do filme. Vou destacar a participação de Sean Penn como Jack Holden (numa clara alusão a Willian Holden), Bradley Cooper como Jon Peters, Benny Safdie como Joel Wachs e Tom Waits como Rex Blau. John C. Reilly não fica nem cinco segundos em cena como Herman Munster, mas é impossível não manter nossos olhos nele. Detalhe: a família de Alana Kane no filme é, de verdade, a família da atriz Alana Haim na vida real. Destaques: toda a cena de Alana e Jack Holden; a cena de Jon Peters, com destaque para o trecho do caminhão; a dramática cena de Alana e Joel Wachs no restaurante até a casa de Matthew; e a catártica cena final. Apesar do filme ser um pouco longo - 2h13min - eu simplesmente ADOREI cada segundo dele - ele foi desses filmes que eu não queria que acabasse, queria que durasse mais 5 horas!!! O filme está concorrendo a Melhor Filme no Oscar (2022), BAFTA (2022), Globo de Ouro (2022) e Critics' Choice Awards (2022); Melhor Direção no Oscar e no BAFTA; Melhor Roteiro Original no Oscar, Globo de Ouro e no BAFTA; e em outros vários prêmios de Melhores Ator e Atriz (Globo de Ouro, BAFTA e Critics' Choice Awards). Filmão, viu, vale demais à pena.

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