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hikafigueiredo

"O Casamento de Maria Braun", de Rainer Werner Fassbinder, 1979

Filme do dia (124/2018) - "O Casamento de Maria Braun", de Rainer Werner Fassbinder, 1979. Alemanha, 1943. Em meio à guerra, Maria (Hanna Schygulla) se casa com Herman (Klaus Löwitsch), um oficial do exército alemão, logo enviado de novo ao front. Com o fim da guerra, como Herman não retorna para o lar, Maria passa os dias atrás de notícias do marido, enquanto, paralelamente, precisa tratar da própria sobrevivência e a de sua mãe. Rapidamente Maria percebe que, em um país em ruínas, ela terá de usar de todos os meios para sobreviver.





Abandonando, momentaneamente, as obras primas do cinema francês, escolhi assistir a uma outra obra prima, agora do cinema alemão. O filme retrata, antes de tudo, um momento político e econômico da Alemanha, traçando um paralelo entre a personagem e o país. Tal qual a Alemanha, Maria está em ruínas com o fim da guerra. Como as demais mulheres da época, Maria parece existir em função de seu marido - o qual, além de ausente, na realidade é quase um estranho para a esposa. Mas a vida tem de continuar e, ainda que sofra com a ausência de Herman, a personagem aceita submeter-se a qualquer coisa para sobreviver - exatamente como a Alemanha destruída e dividida no pós-guerra. Ao longo da narrativa, Maria crescerá profissionalmente e enriquecerá, no momento em que a Alemanha vivencia o "milagre econômico" - para tanto, no entanto, Maria terá de abandonar qualquer sentimentalismo, agindo de forma fria, calculista e, por que não dizer, cínica. Achei curioso a forma como Maria é dicotomizada - se, no trato social, profissional e familiar a personagem é autossuficiente, debochada, ousada e estratégica, quando o assunto é Herman, ela guarda uma lealdade e uma submissão deslocadas, insuspeitas e inexplicáveis. Se no início do filme Maria desperta piedade, com o passar da história a personagem começa a causar certa repugnância, uma vez que não demonstra ter qualquer limite moral para alcançar seus objetivos, usando e descartando pessoas de acordo com sua necessidade - mas talvez limites morais sejam meramente entraves incômodos e burgueses, inaplicáveis nos momentos de necessidade extrema, não é mesmo? Fato é que a obra retrata, ao longo de alguns anos (de 1946 a 1954, este último durante afinal da Copa do Mundo de Futebol, que deságua no chamado "Milagre de Berna", a vitória do time alemão sobre a equipe húngara), a trajetória de um país, de um povo e da personagem, todos extremamente entrelaçados. Tecnicamente, o filme é excepcional - lindamente fotografado em tons amarelados e com uma trilha sonora curiosa, que engloba, inclusive, músicas americanas, além de uma excelente direção de arte de época, com destaque para o figurino de Maria, que acompanha a ascensão material da personagem. Hanna Schygulla está absoluta como Maria, tanto que recebeu o Urso de Prata de Melhor Atriz naquele ano pelo papel, muito merecidamente (destaco aqui a incrível mudança de expressão de Maria na cena em que se depara com o marido de julgava morto - cena maravilhosa, interpretação irretocável). A obra é fantástica, vale cada segundo de duração.

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