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“Piquenique na Montanha Misteriosa”, de Peter Weir, 1975

  • hikafigueiredo
  • 30 de mar.
  • 3 min de leitura

Filme do dia (18/2025) – “Piquenique na Montanha Misteriosa”, de Peter Weir, 1975. Austrália, 1900. Estudantes do Colégio Appleyard para garotas fazem uma excursão a Hanging Rock, uma perturbadora montanha do Outback australiano. Misteriosamente, três alunas e uma professora desaparecem ao longo do passeio. As demais retornam à escola e avisam a diretora, Sra. Appleyard (Rachel Roberts). No dia seguinte, iniciam-se as buscas pelas desaparecidas, enquanto o colégio começa a sofrer as consequências do ocorrido.




 

Baseado na obra literária “Picinic at Hanging Rock”, de Joan Lindsay, o filme é considerado o filme mais importante e influente da Austrália – o que eu acho curioso, pois é uma obra que lida mais com sensações do que propriamente com um enredo. A trama não se desenvolve muito mais além da sinopse: há a excursão, o desaparecimento e as consequências que a escola sofre pelo acontecido, mas, a forma como isso é mostrado que o tornam especial. Boa parte da narrativa – mas especialmente a excursão – ganham ares etéreos, oníricos. Tudo se passa como num sonho, com uma definição fluída, cores suaves e movimentação muito lenta. No momento do desaparecimento, as meninas parecem em transe, não respondem aos chamados de uma colega e saem andando tão vagarosa e suavemente que parecem estar flutuando. Ao mesmo tempo, há algo que “pesa” nessa passagem – as estudantes comentam que o lugar é assustador e a maneira como o espaço é mostrado traz realmente algo de perturbador e opressivo. O retorno para a escola, por sua vez, ganha tintas de pesadelo – não por algo que é mostrado, mas por uma atmosfera de quase terror que se imprime à narrativa. Aliás, tudo de assustador encontra-se neste terreno das sensações, adicionado, claro, ao mistério envolvendo o desaparecimento. O filme impressiona porque o que não é mostrado é tão palpável quanto aquilo que é. Percebemos, desde o início, uma sedução silenciosa que contraria a aparente inocência das jovens estudantes; há uma clara tensão sexual no ar, profundamente reprimida pela moral vitoriana; temos a relação sádica da diretora e das professoras direcionada à aluna órfã Sara e a maldade no ar que emana dessa relação chega a ser angustiante; a derrocada da escola e consequente decadência psicológica da Sra. Appleyard não é tão explícita quanto o esperado, só recrudescendo nos últimos  minutos. Todas essas sensações enumeradas encontram-se desacompanhadas de fatos, mas são terrivelmente sólidas à nossa percepção. Eu diria que é um filme profundamente sensorial e ainda mais profundamente enigmático. Como algumas outras obras cinematográficas, ao final dela tive a sensação de que coisas me escapavam e que eu não conseguia compreendê-la em sua totalidade, mas rápido percebi que era essa exatamente a intenção – que o público tivesse a mesma sensação de quando acordamos de um sonho e ele lentamente nos escapa, sobrando apenas resquícios de emoções desacompanhada de eventos. Visualmente é um filme belíssimo, feito para encher os olhos do público. Vale a pena destacar a trilha sonora composta por peças clássicas de Bach, Tchaikovsky, Beethoven e Mozart, e, principalmente, as músicas de flauta que aparecem na excursão e que, por qualquer motivo, nos soam assustadoramente sombrias e opressivas. Quanto às interpretações, o destaque fica por conta do desempenho de Rachel Roberts como Sra. Appleyard – a diretora luta para manter a “pose” e em uma única cena sua máscara de frieza e autocontrole cai e vemos seu interior destruído e desesperado. As atrizes que interpretam as estudantes – em especial as desaparecidas – trazem um ar inocente e angelical, mas também deixam escapar a já mencionada sedução silenciosa (para mim tem algo “objetificador” na imagem imposta destas estudantes, mas confesso que isso deixou a trama bem mais interessante e intensa). Enfim... é um filme cuja compreensão perpassa menos pelo racional do que pelo emocional e quem o assistir deve ter isso em mente. Outra coisa: ele fica melhor com o tempo, após digerirmos a obra. Eu gostei dele mais hoje do que ontem. Vale, com certeza, a visita. Disponível em streaming no Looke e na Prime Video.

 
 
 

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