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hikafigueiredo

"Sem Teto, nem Lei", de Agnés Varda, 1985

Filme do dia (184/2020) - "Sem Teto, nem Lei", de Agnés Varda, 1985 - Uma andarilha (Sandrine Bonnaire) morre de frio em meio ao inverno francês. Voltando no tempo, acompanharemos as últimas semanas de vida da sem-teto, de nome Simone Bergeron, ou apenas, Mona.





Ai, que filme dolorido! É uma obra bastante densa, com uma grande riqueza de temáticas envolvidas e leituras possíveis. Há, aqui, uma discussão acerca da ilusão da liberdade absoluta, da significância real da solidão e um retrato das desigualdades proporcionadas pelo sistema capitalista. Mas, é possível, ainda, fazer uma leitura abrangente, englobando todos estes aspectos. A personagem Mona é o mais cru resultado da falta de perspectiva proporcionada por um sistema econômico desigual. Com pouco estudo e uma família desestruturada - o que ela menciona no meio do filme - não lhe sobra muitas opções além de fugir da sua realidade, jogando-se numa ilusão de liberdade e aventura que, no frigir dos ovos, vai lhe custar a vida. É uma liberdade ilusória porque Mona está inserida em um sistema que, antes de tudo, valoriza as posses e a imagem - e Mona não tem posses e muito menos uma imagem "de respeito" frente à sociedade materialista e hipócrita. Sua liberdade é ilusória porque ela não tem como escapar dessa realidade, ela foge de algo na qual ela está imersa. Essa busca pela liberdade, acrescida do preconceito que sofre e somada à total ausência de laços com o que quer que seja a jogam em uma realidade de absoluta solidão. Mona realmente está só. Mesmo quando encontra alguém que poderia, de alguma forma, auxiliá-la a sair dessa solidão, Mona rejeita ajuda. Ela sequer tem uma leitura da sua solidão, ela apenas foge, muito embora admita estar cansada de andar (fugir). Eu adorei a construção da personagem Mona. Ainda que seja vítima evidente da sociedade e de uma realidade dura, Mona não é retratada como "a coitadinha", doce e subserviente. Não, Mona é vítima, mas pode ser egoísta, cruel, rude, ingrata, e, ao mesmo tempo, doce, carente, frágil. É uma personagem com muita espessura, contraditória como uma pessoa real pode ser. Inclusive a imagem física da personagem é muito bem feita - a gente quase consegue sentir o odor de Mona. A triste vida de uma sem-teto é retratada de maneira crua, sem qualquer romantismo, e a angústia que sentimos vendo Mona é uma dor quase física. O roteiro é um grande flash-back, que segue linearmente desde o ponto de retorno. O ritmo é lento, mas dentro do esperado para o gênero da obra e o tema. A fotografia é de uma cor meio apagada, sem brilho e sem contraste, acompanhando o cinza natural da estação invernal. Sandrine Bonnaire está estupenda como Mona, uma personagem que desperta, ao mesmo tempo, empatia e aversão, principalmente ao reagir contra aqueles que a ajudaram. No elenco, ainda, Macha Méril como Madame Landier (a maior protetora de Mona), Stéphane Freiss como o cruel Jean-Pierre e Yolande Moreau como Yolande. O filme me lembrou outro com uma temática parecida, "Viver sem Endereço" (2014). O filme é sensacional, mas bem difícil de ver e sentir. Recomendo demais e, quatro filmes depois, posso dizer que Agnés Varda era uma cineasta excepcional!!!!

PS - A obra também é conhecida pelo nome "Os Renegados".

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