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“A Menina Silenciosa”, de Colm Bairéad, 2022

hikafigueiredo

Filme do dia (121/2023) – “A Menina Silenciosa”, de Colm Bairéad, 2022 – Cáit (Catherine Clinch) é uma menina de nove anos que vive com sua família numerosa e disfuncional. Com a chegada de um novo irmão, Cáit é levada para uma fazenda afastada, morar por um tempo com Eibhlín (Carrie Crowley) e Seán (Andrew Bennett), parentes distantes de sua mãe. Aos poucos, Cáit vai descobrindo uma nova maneira de viver.





Esse tocante filme aborda a ausência de amor e afeto na vida da personagem Cáit. A menina vive em uma intrigante e carente realidade onde ela é praticamente ignorada por sua família disfuncional, onde cada um vive por si. Ela não sofre formas “clássicas” de violência – não há agressões físicas, ofensas ou observações maldosas sobre sua pessoa -, mas ela está ali, de uma maneira talvez até mais cruel e perniciosa. É na sua quase invisibilidade que Cáit sofre uma violência feroz. Como um espectro, ela se esgueira entre seus familiares, sempre com movimentos contidos, lentos e silenciosos. Ela praticamente não emite sons e não se expressa de qualquer forma que seja. Sua existência silenciosa é sua defesa, é a maneira da menina “se blindar” das dores da sua vida. Ainda assim, ela parece ser um estorvo na lógica da família – uma mãe ultra sobrecarregada, um pai infiel e ausente e um punhado de irmãs gregárias, que encontraram na união o apoio que precisavam. Cáit simplesmente parece não pertencer àquele lugar e isso é evidenciado quando seus pais decidem, unilateralmente, enviar a menina para a casa de parentes distantes a quem ela sequer conhecia no período de recuperação de sua mãe em final de gestação. Assim, Cáit é enviada para a fazenda de Eibhlín e Seán, um solitário casal de meia idade, onde ela chega como um pequeno animal acuado. O casal – em especial Eibhlín -, esforça-se em oferecer um espaço de acolhimento à garota, pois nem mesmo eles compreendem o desapego da família em relação à doce menina. Gradativamente, Cáit vai baixando suas defesas silenciosas, encontrando afeto e segurança no casal, e vendo aquele ambiente como seu verdadeiro lar. A obra, assim, vai mostrar a importância do amor fraterno, do afeto, dos contatos físicos, da compreensão, do acolhimento e do diálogo para o vicejar de uma criança. A narrativa é linear, em ritmo quase tão lento quanto a movimentação da protagonista. A atmosfera é de apreensão... as angústias, os medos, as ausências de Cáit são palpáveis e o espectador consegue sentir as dores emocionais da menina. É uma obra dolorosa, mas, ao mesmo tempo, promissora, pois acena com uma luz ao fim do túnel: o afeto de Eibhlín e Seán, ainda que não seja super explícito ou ruidoso, é genuíno e profundo, mostrando-se em pequenos e discretos detalhes. O filme conta com uma fotografia colorida que tende aos tons amarelados, causando certa sensação de conforto e calor no espectador. Há um recorte significativo nos planos nas cenas da família original – o pai de Cáit praticamente não é mostrado de frente; ele, com frequência, é mostrado de lado, de trás ou recortado; em outras palavras, ele nunca está “inteiro”, uma clara representação de sua ausência na família. A mãe de Cáit, por sua vez, jamais se demora em cena... ela parece sempre “de passagem”, a representar o quanto ela é sobrecarregada e quão pouca é sua disponibilidade para a penca de filhas. Da mesma forma, a câmera nunca se fixa nas irmãs de Cáit – não sabemos, ao certo, quantas são as meninas, elas não se mostram presentes na vida da protagonista. Tudo isso muda nas cenas do casal - Eibhlín e Seán são mostrados em detalhes, quase sempre de frente e inteiros, como eles estão dispostos para Cáit. O filme, como a protagonista, também é bastante silencioso – temos pouca incidência musical e mesmo os ruídos são comedidos. As interpretações são contidas e discretas. Catherine Clinch, um mimo de criança, consegue transmitir a ideia de animalzinho acuado com perfeição – sempre de cabeça baixa, segurando as mãos e numa postura retraída, ela, aos poucos, se solta, e ganha mais movimentos, á medida em que ganha confiança no casal de tutores. A interpretação de Carrie Crowley e Andrew Bennett como Eibhlín e Seán, respectivamente, também tem esta marca da contenção. Percebe-se, nos personagens, o medo do apego excessivo – eles são afetuosos, mas procuram não exacerbar o contato, já que ele é temporário. Quem tem a interpretação menos discreta é Michael Patric como o pai de Cáit – o personagem é mostrado como um homem grosseiro e sua movimentação evidencia esse traço. Por fim, Kate Nic Chonaonaigh interpreta a mãe de Cáit, sem nada de muito especial. A obra foi indicada ao Oscar (2023) de Melhor Filme Estrangeiro, e, também, ao BAFTA (2023), na mesma categoria. O filme é delicado, melancólico e por vezes doloroso, mas há, nele, algo muito doce também. O desfecho me arrancou lágrimas como poucos. Gostei demais e recomendo.

 
 
 

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