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hikafigueiredo

"Plano 75" de Chie Hayakawa, 2022

Filme do dia (142/2022) - "Plano 75" de Chie Hayakawa, 2022 - O envelhecimento da população do Japão começa a causar um forte impacto na seguridade social do país, a ponto de surgirem crimes de ódio fomentados pelo etarismo. O governo, então, lança o "Plano 75", uma proposta de eutanásia assistida para idosos à partir dos 75 anos. A proposta é "vendida" como um benefício nos moldes de qualquer plano de saúde ou viagem. Partindo desse ponto, as vidas de diversos personagens se entrelaçam, tendo, como fio condutor, a proposta do governo.





Nesta ficção científica - porque é evidente que a situação é hipotética e não está pautada na realidade de qualquer país,mas, sim, em um futuro distópico - temos uma crítica ao etarismo e à ausência de propostas governamentais voltadas para os idosos, bem como um retrato da solidão e das dificuldades vivenciadas pela população mais velha. A protagonista é a personagem Michi (Chieko Baishô), uma mulher de 75 anos que perde seu emprego e não encontra outra colocação no mercado de trabalho devido à sua idade. Sem conseguir sobreviver com alguma dignidade, Michi depara-se com a proposta governamental "Plano 75", que oferece eutanásia assistida para os idosos que se encontrem em dificuldades. A proposta - como qualquer produto - é vendida segundo regras de marketing e "trabalhada" como mercadoria à despeito das questões éticas envolvidas, que sequer são percebidas pelos empregados contratados para tal serviço. É através da interação dos personagens jovens com os protagonistas idosos - além de Michi, temos o idoso Yukio - que a perversidade e desumanidade da proposta ficarão ainda mais evidentes, pois, subitamente, a juventude não apenas percebe que aqueles idosos são gente como eles, mas, ainda, que o envelhecimento é o destino natural de todos. Se, por um lado, há uma feroz crítica ao hábito de colocar os idosos como cidadãos de segunda classe, desimportantes para a sociedade, num claro movimento de etarismo - que, por qualquer motivo, não é um preconceito com o mesmo status de hediondez que outros, como o racismo, o machismo e a homofobia - e desumanização desta parcela da população, há, ainda, um retrato bem fiel da solidão que envolve os idosos. A narrativa é linear, num ritmo lento, tradicional do cinema japonês. A atmosfera geral é triste e deprimente - o envelhecimento, com raras exceções, é sempre trabalhado, na arte em geral e no cinema em particular, de uma maneira bastante negativa, como se envelhecer fosse um pecado, uma ousadia, "how dare you?". A obra dialoga com infinitas outras que tratam do tema da velhice e seu reflexo na sociedade, das quais destaco "Umberto D" (1952), "Viver" (1952), "Morangos Silvestres" (1957), "A Balada de Narayama" (1983) e "Amor" (2013). Formalmente, o filme é bastante convencional, seguindo modelo de histórias entrelaçadas com vários personagens. A fotografia do filme, marcada pelos tons de cinza e azul, sem brilho e saturação, colaboram para trazer o tom amargo à obra, como se um véu escuro a tudo encobrisse. O elenco traz um trabalho excelente de Chieko Baishô como Michi - a personagem, apesar da idade avançada, é alegre e vívida e percebemos nela vontade de viver, o que vai de encontro à terrível situação financeira em que se encontra, e a atriz consegue passar toda a complexidade da questão ao espectador com bastante sutileza; Takao Taka interpreta o idoso Yukio, também muito bem no papel; Hayato Isomura interpreta Himoru, Yuumi Kawai interpreta Yoko e Stefanie Arianne interpreta Maria - os três são empregados do governo e "aplicam", em diferentes cargos, o "Plano 75" e serão, cada um a seu tempo e através de diferentes interações com os pacientes idosos, confrontados com questões éticas e de afeto relacionadas ao "benefício". A obra é muito bacana e é um tapa com luva de pelica em uma sociedade que praticamente demoniza seus velhos,. re-humanizando os idosos e colocando-os como protagonistas de suas histórias. É um filme bem triste, mas bastante válido, servindo para que as pessoas repensem um pouco sua postura diante da maturidade. Recomendo muito.

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