Filme do dia (75/2024) – “Quando Nem Um Amante Resolve”, de Frank Perry, 1970 – Tina (Carrie Snodgress) é uma dona de casa exausta, casada com Jonathan (Richard Benjamin), um homem grosseiro e abusivo, o qual a critica e destrata constantemente. Em busca de uma válvula de escape e quase casualmente, Tina envolve-se com George Prager (Frank Langella), tornando-se sua amante.

Retomando as obras da Nova Hollywood, assisti a este filme, o qual discorre profundamente sobre a condição feminina na transição dos anos 60 para os 70. O tema é bastante relevante, principalmente porque não era nada usual até então – na época áurea de Hollywood, quando os grandes estúdios ditavam as regras, assuntos controversos não eram, comumente, abordados. Ademais, até os anos 70, o feminismo não havia, ainda, alcançado um número relevante de mulheres, as quais se mantinham, obedientemente, dentro das regras impostas pelo patriarcado. O filme em questão retrata uma típica dona de casa – atarefada até seus limites, exausta, descontente e sofrendo abusos psicológicos recorrentes de seu marido, mas, aceitando docilmente sua sina. Confesso que a submissão da personagem me irritou profundamente, mas tenho certeza de que essa foi a intenção do diretor - expor o quão inaceitável era a situação feminina antes do feminismo ser mais difundido e dar voz às mulheres. Ocorre que o filme é do ano de 1970 – o feminismo começava a despontar, mas as mulheres ainda estavam emudecidas pelo patriarcado – e, diferentemente do ótimo “Uma Mulher Descasada”, de 1978, não há, ainda, o ímpeto emancipador, portanto, não espere uma reviravolta na condição da personagem, pois ela não virá (spoiler óbvio logo na primeira meia hora de filme). A ousadia máxima de Tina é arranjar um amante, o qual se revela tão péssimo, talvez até pior, que o marido abusivo. Cabe destacar, também, a imagem masculina que o filme transmite: de um lado o marido grosseiro, autoritário, patético, um homem socialmente desprezado, sem grandes qualidades, mas com uma autoestima invejável, crédulo de capacidades e talentos próprios inexistentes; de outro, o amante narcisista, igualmente grosseiro, mas, ao contrário do marido que se julga condescendente com a esposa, consciente de que é um canalha da mais alta estirpe, chegando, inclusive, à violência física. Assim, o filme é um retrato amargo de toda uma geração que cresceu sob a égide do machismo e para quem não havia salvação, fossem homens (horríveis) ou mulheres (submissas). A narrativa é linear, em um ritmo lento a moderado e constante. A atmosfera é de resignação, o que, em mim, gerou um sentimento profundo de indignação – fiquei, sinceramente, com raiva de tudo na história! O filme, além da temática francamente inovadora, também trouxe elementos formais do cinema da Nova Hollywood – narrativa um pouco errática, inexistência de um clímax bem definido, certa despreocupação com o esmero estético (se nos anos 1980, a fotografia cinematográfica aproximou-se da estética publicitária, preocupando-se com a perfeição das imagens, nos anos 1970 foi justamente o contrário, trazendo certa crueza fotográfica), quase inexistência de música incidental (a música que não faz parte do universo ficcional e que tem a função de “criar atmosfera”, manipulando o emocional do espectador). Quanto às interpretações, temos um trabalho excepcional de Carrie Snodgress como a submissa Tina – ela é hábil em demonstrar a exaustão da personagem e sua desesperança em uma solução para sua situação; no papel do insuportável Jonathan, Richard Benjamin, que imprime toda a idiotia possível ao personagem; e, como o amante George, Frank Langella, que também traz um trabalho incrível, pois consegue trazer algo de sedutor ao personagem que, no fundo, é desprezível, tornando-o muito mais verossímil. O filme concorreu ao Oscar (1971) na categoria de Melhor Atriz; ao Globo de Ouro (1971) nas categorias Melhor Filme de Comédia (!!!!), Melhor Ator em Comédia (Richard Benjamin), Melhor Atriz em Comédia, vencendo essa última; e ao BAFTA (1971), na categoria de Atriz Revelação. Ainda que eu tenha me irritado, eu gostei bastante do filme, achando-o emblemático de um determinado momento da história. Recomendo demais. Infelizmente, o filme não está disponível em streaming, só em mídia física ou torrent.
PS 1 – A tradução do título é para lá de sofrível!!!! A tradução correta seria “Diário de uma Dona de Casa Louca”: muito mais condizente;
PS2 – Classificar esse filme como uma comédia é revoltante – é ignorar todo o sofrimento vivenciado pelas mulheres ao longo de décadas e sequer como comédia ácida eu aceito essa classificação.
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