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hikafigueiredo

"1984", de Michael Radford, 1984

Filme do dia (218/2020) - "1984", de Michael Radford, 1984 - Em um mundo distópico, os indivíduos são controlados pelo estado e pelo "Partido", resumidos à figura do Grande Irmão, líder político supremo. Nessa realidade, vive Winston Smith (John Hurt) que, irresignado, pratica pequenas condutas ilícitas, como manter um diário e ter pensamentos contrários às determinações estatais. Sua situação ficará mais delicada ao conhecer Júlia (Suzanna Hamilton) e com ela passar a se relacionar, prática vista com maus olhos pelo Partido.




Versão cinematográfica da obra homônima, escrita por George Orwell, e publicada em 1949, o filme consegue, com certo sucesso, retratar o mundo distópico e repressor imaginado pelo escritor. É evidente que o livro é mais complexo e detalhado, possibilitando uma discussão mais aprofundada sobre regimes ditatoriais, controle dos indivíduos, etc, etc, etc, mas realmente acho que o filme conseguiu trazer para a tela toda a angústia provocada pelo livro. A história - atualíssima, diga-se de passagem - retrata a sociedade e o indivíduo sob um regime ditatorial e, como tal, controlador e repressor. Como pilares do regime, George Orwell imaginou um estado que: teria absoluto controle das informações, modificando-as de acordo com sua conveniência; fomentaria o empobrecimento da língua, apagando e proibindo termos e definições; manteria a população em constante alerta, através de conflitos armados contra "inimigos externos" e delações, subjugações e execuções públicas contra "inimigos internos"; teria total controle dos indivíduos, que seriam "observados" diuturnamente, abolindo a ideia de privacidade; promoveria a unidade de pensamento, através de todos os meios disponíveis (aka lavagem cerebral); dentre outras formas de controle. Nada mais atual do que a ideia de controle da informação diante de um mundo inundado por informações falsas (fake news), por ataques à ciência e pela valorização da opinião em detrimento da pesquisa e do estudo acadêmico, com a subida ao poder de políticos populistas e autoritários, com um forte apelo à ditadura, à militarização e à repressão, inclusive com a valorização da tortura como conduta válida, ataques à democracia e às instituições do Estado de Direito, formação de "exército" de seguidores, "demonização" dos direitos humanos, dentre outras características espúrias - bem vindos ao nosso mundo, Orwell era um visionário. O filme consegue colocar na tela toda a distopia imaginada pelo escritor, com um roteiro enxuto e bastante amarrado. A narrativa é linear, o ritmo é relativamente lento, a atmosfera é extremamente pesada e angustiante. A fotografia é escura, em tons frios e a paleta de cores utilizada mantém-se entre o cinza e o azul, com exceção nas cenas em que retratam a liberdade de pensamento e imaginação de Smith (oportunidade em que vemos uma bela colina verde e a fotografia ganha tons quentes). A direção de arte é hábil em retratar a padronização e a abolição de qualquer individualidade - os ambientes de trabalho, roupas, espaços são, todos, normatizados. A edição de som traz, para quase qualquer cena, um burburinho ao fundo relativo aos constantes boletins informativos e transmissões de confissões e execuções públicas, chega a ser incômodo (propositalmente, é claro). No elenco, John Hurt como Winston Smith, como sempre ótimo, lembrando que o personagem é extremamente trágico - e o ator coloca em cena toda essa carga trágica com uma facilidade impressionante; Suzanna Hamilton interpreta Júlia - a personagem não é aprofundada como Smith, logo, não exige tanto da atriz como foi exigido do ator; por fim, no papel do ignóbil O'Brien, ninguém menos que Richard Burton - o personagem é terrível sem ser caricato, é a imagem da crueldade, não sei nem explicar, mas afirmo que Burton saiu-se muito bem. Filme ótimo, pesado, daqueles que nos coloca a pensar e angustia. Deveria ser obrigatório nas escolas, assim como o livro. Assista sem moderação e deite em posição fetal depois para chorar à vontade. Por todos nós.

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