Filme do dia (51/2022) - "A Bela que Dorme", de Marco Bellocchio, 2012 - Itália, 2009. Nos dias que antecedem à morte por eutanásia de Eluana Englaro, diversas pessoas posicionam-se quanto à questão segundo suas convicções.
O filme de Marco Bellocchio aproveita o caso real de Eluana Englaro (a jovem, após um acidente de carro, entrou em estado vegetativo do qual jamais saiu; dezessete anos após os fatos e depois de uma longa batalha judicial, seu pai consegue a permissão para suspender sua alimentação, levando-a à morte por inanição em 9 de fevereiro de 2009) para discutir questões complexas como eutanásia, suicídio, direito à escolha, esperança e fé. Muito embora Bellocchio mantenha uma aparente neutralidade quanto à questão da morte voluntária, uma leitura um pouco mais atenta revela que a isenção do diretor é mera falácia, pois a posição pró-vida está bem firme nas entrelinhas, bastando atentar-se aos perfis dos personagens que defendem um ou outro lado: enquanto os defensores da vida a qualquer custo são indivíduos equilibrados, convictos e saudáveis, aqueles que intercedem pelo direito à escolha surgem como pessoas doentes, desequilibradas ou, pelo menos, hesitantes de sua postura. Talvez por ter um posicionamento pessoal bastante seguro quanto ao tema - acho extremamente autoritário, insensível e cruel manter uma pessoa em sofrimento por conta de convicções morais ou religiosas de terceiros... é fácil decidir quando não é você que está sofrendo, né? -, achei a obra tendenciosa e manipuladora de uma forma subliminar, o que me causou certa irritação. Outra coisa que me incomodou, foi o excessivo realce dado à questão religiosa - entendo que o peso da Igreja Católica na Itália seja extraordinário, mas me causou certa repulsa que esse fator estivesse no topo da discussão; eu, que não sou católica, tenho de seguir preceitos dessa religião à troco de quê? E, ao longo do filme, é um tal de crucifixo para cá, imagem santa para lá, igrejas, velas, cruzes, freiras, tive quase uma overdose de cristianismo ao longo da obra. Se a intenção do diretor era causar alguma reflexão no espectador e, quem sabe, converter alguns opositores da questão pró-vida, o filme foi um tiro no pé, principalmente por não ter oferecido nenhum argumento além da fé cristã para tanto. Com relação ao tema, levanto outros filmes bem mais tocantes e profundos: "Mar Adentro" (2004), 'Menina de Ouro" (2004) e "A Festa de Despedida" (2014). A narrativa é linear, em ritmo moderado, e acompanha dois dias na vida de diversos personagens de posições contrárias - a escolha de abarcar muitos personagens fez com que não houvesse aprofundamento de nenhum deles, permanecendo todos na superficialidade. Tecnicamente, é um filme bastante bem feito, mas que não saiu nada do convencional. Cabe destacar, sem dúvida, a qualidade do elenco, que é encabeçado pelo ótimo Toni Servillo como um senador em crise de consciência, e pela diva Isabelle Huppert como uma atriz muito religiosa que aguarda a volta à consciência de sua filha em coma; ótimas interpretações também de Alba Rohrwacher como a beata Maria, Maya Sansa como a adicta Rossa, e Brenno Placido como Federico. Já havia assistido à obra no passado e revê-la não melhorou minha percepção dela. Pouco reflexiva e tendenciosa - seria preferível defender abertamente a causa ao invés de fingir-se imparcial -, não recomendo.
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