“A Garota da Agulha”, de Magnus von Horn, 2024
- hikafigueiredo
- 8 de abr.
- 3 min de leitura
Filme do dia (22/2025) – “A Garota da Agulha”, de Magnus von Horn, 2024 – Karoline (Victoria Carmen Sonne) é uma operária que vive em Copenhague, Dinamarca, durante a Primeira Guerra Mundial. Sozinha, ela não sabe do paradeiro de Peter (Bezir Zeciri), seu marido, que foi para a guerra e não deu mais notícias. Ela é despejada por falta de pagamento, motivo pelo qual pleiteia um adicional de viuvez na indústria em que trabalha, ocasião em que se envolve com seu superior, Jorgen (Joachin Fjelstrup).

Este drama com ares de terror psicológico acompanha um fragmento da vida de Karoline, uma solitária operária dinamarquesa que sobrevive com dificuldade desde a partida de seu marido para a Primeira Guerra. O tom de desalento inicial da narrativa consegue acirrar-se a cada instante, ganhando contornos cada vez mais dramáticos e desesperadores. Se a situação de Karoline já começa desconfortável, ela piora vertiginosamente, inclusive quando ela crê ter encontrado um espaço de sororidade e acolhimento. Poderíamos dizer que o filme discorre sobre a vivência em tempos de guerra e crise, mas, o mais fiel à narrativa seria dizer que se trata de uma obra sobre a condição feminina agravada por circunstâncias sociais desfavoráveis, em uma época em que as mulheres não tinham qualquer direito assegurado por lei. Karoline enfrenta situações extremas, vê sonhos caírem por terra, sofre com a falta de empatia de alguns e com a covardia de outros, busca soluções equivocadas, permite ser enganada, erra no julgamento de pessoas, tudo isso sem se deixar abater e sem perder sua humanidade – por mais trágica que seja a trajetória da protagonista, ela sempre se mostra empática e generosa, até mesmo com quem a fez sofrer. A narrativa é linear, em ritmo pausado, mas crescente. Algo muito marcante na obra é a atmosfera de pesadelo – o filme é extremamente sensorial, a compreensão ocorre tanto no âmbito da racionalidade, quanto na esfera subjetiva, através de emoções e sentimentos. O filme traz um momento de revelação pouco surpreendente – não acredito que qualquer espectador não tenha suspeitado desta revelação, pois, para mim, ela era mais que óbvia, motivo pelo qual não me senti perturbada quando aconteceu. Gostei demais do desenho de produção de época somado à fotografia P&B contrastada, mas não tão nítida – as imagens parecem ligeiramente embaçadas, desfocadas, reforçando sua aparência onírica. Destaque, também, para a edição de som que acompanha toda a construção de atmosfera e ressalta, aqui e ali, sons e ruídos de forma não natural, colaborando para a percepção do clima de pesadelo. Com relação ao trabalho do elenco, a narrativa foca na personagem Karoline, de forma que é Victoria Carmen Sonne o grande destaque do filme – a atriz é hábil em construir uma personagem trágica, porém resiliente, que atravessa as dificuldades com uma grande dose de resignação e perseverança, não se deixando abater, e mesmo com toda a sorte de problemas que acontece à protagonista, em momento algum ela se entrega e se larga às lágrimas: a Karoline de Victoria Carmen Sonne é uma rocha. Peter é outro personagem trágico – quando volta da guerra, Peter traz marcas e traumas do combate que mudam toda a sua existência e o ator Besir Zeciri imprime uma dimensão muito humana ao personagem, trazendo compreensão e generosidade a ele. Já a personagem Dagmar mostra um outro lado da resistência, um lado frio, pragmático e resoluto – Dagmar soluciona questões de uma forma objetiva e despida de emoções, o que não quer dizer que não tenha sentimentos de afeto genuíno por pessoas pontuais, como Karoline ou Erena. É uma personagem extremamente complexa e contraditória, interpretada magnificamente por Trine Dyrholm. O filme é uma pedrada, no melhor estilo “mundo cão”, mas que, curiosamente, acaba com uma mensagem de esperança e generosidade, como planta nascendo do asfalto. Eu, que amo filmes tristes e crus que não descambem para o melodrama e a manipulação do espectador, adorei. A obra foi indicada para o Oscar (2025) na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, perdendo para o nosso “Ainda Estou Aqui” (2024). Maravilhoso, está disponível em streaming no MUBI.
Comentarii