- hikafigueiredo
"A Grande Testemunha", de Robert Bresson, 1966
Filme do dia (123/2018) - "A Grande Testemunha", de Robert Bresson, 1966 - Balthazar é um burro que, desde o nascimento, é passado de dono a dono, sempre sofrendo abusos e maus tratos, descobrindo, através do contato com o homem, o que é a dor, o sofrimento e a injustiça.

Não é fácil compreender exatamente o que o diretor quis com essa obra, apesar de ser um desses filmes em que o virtuosismo formal já é suficiente para fazê-lo brilhar. Acredito que a história do burro Balthazar seja uma metáfora para a miserável existência humana, repleta de egoísmo, iniquidade, deslealdade, ganância e, acima de tudo, injustiça. A obra traça um paralelo entre o animal e a "besta-homem" - a suposta irracionalidade do primeiro é comparada a teórica "racionalidade" do segundo, com um resultado, no mínimo, irônico. De um lado, ainda, temos a inocência, enquanto que o outro demonstra apenas perversidade e ignorância. Existe, ainda, um diálogo entre esse filme e "Mouchette" - ambos retratando a maldade humana e a ideia de predestinação, de situação irreversível qualquer que seja a conduta. Mas admito que essa foi a minha leitura, talvez outras pessoas leiam a obra de uma outra maneira. O que é indiscutível é a perfeição da forma alcançada por Bresson. Seus enquadramentos, muitas vezes inusitados, como a profusão de pés e patas, conseguem criar tensões, emoções e relações sem que qualquer palavra seja dita. Mais do que nos filmes anteriores, o diretor valorizou detalhes, minúcias, recortes - mãos, olhos, objetos, tudo é usado com incrível apelo simbólico, tudo é dotado de significância. A bela fotografia P&B permanece nesse filme, enquanto que a sonoridade me causou certo estranhamento, que eu não consigo explicar. O que não me agradou muito, pela primeira vez num filme do diretor, foram as interpretações (eeeeerrrr... não a do burrico, é evidente) - Anne Wiazemsky, que interpreta Marie, consegue ter a expressividade de uma parede e juro que me perguntei qual foi o objetivo de Bresson ao escolhê-la para o papel, lembrando que o diretor conseguia extrair água de pedra de seus atores, motivo pelo qual acredito que sua inexpressividade tenha sido opção de Bresson, mas eu não compreendo, não compreendo. Um pouco mais interessante foi a interpretação de François Lafarge, que fez um Gérard odioso, a imagem da desumanidade. A obra é diferente, meio esquisita, mas não deixa de ser um bom cinema. Recomendo atrás dos demais que vi. PS - quem se nega a ver filme com crueldade a animais, pode ver o filme sem receio. Até existem algumas cenas em que os tapas são reais, mas com certeza não fizeram nem cócegas no bicho. As cenas onde o animal é açoitado ou agredido com veemência são todas sugeridas, nenhuma é explícita. O bichinho não foi maltratado, não se angustie (como aconteceu comigo, a ponto de sair perguntando se rolava de assistir á obra... rsrsrsrs).