“Viveiro”, de Lorcan Finnegan, 2019
- hikafigueiredo
- há 12 minutos
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Filme do dia (138/2025) – “Viveiro”, de Lorcan Finnegan, 2019 – Tom (Jesse Eisenberg) e Gemma (Imogen Poots) são namorados em busca de um imóvel para morarem. Ao visitarem uma imobiliária, são persuadidos pelo estranho corretor Martin (Jonathan Aris) a visitar um novo condomínio nos subúrbios da cidade. Ao chegarem ao local, constatam que ele é formado por inúmeras casinhas idênticas. Enquanto visitam a casa número 9, Martin desaparece. Eles ainda não sabem, mas será o início de um terrível pesadelo.

O injustiçado filme, o qual habita a interface entre o terror e a ficção científica, despertou opiniões, no mais das vezes, bastante negativas. Quero crer que seus detratores não entenderam bem a interessante crítica embutida na aparentemente simples narrativa. Pois, em meio à história que soa banal, temos uma crítica bem severa aos papeis, convenções e expectativas sociais. Começamos com um jovem casal que, no começo de sua vida a dois, busca um imóvel para morar. Eles são levados a conhecer um novo condomínio nos arrabaldes da cidade. Tal condomínio parece o sonho de qualquer pessoa – simpáticas casinhas idênticas, pintadinhas de um verde pastel, um gramadinho ao fundo, ruas pacatas, o silêncio do interior. No entanto, o que poderia parecer ideal, rapidamente se torna um pesadelo quando o casal se vê preso no condomínio – por mais que eles andem pelas ruas e jardins, eles sempre terminam diante da casa número 9. A situação piora exponencialmente quando um bebê é “imposto” ao casal e eles se veem impelidos a cuidar da criança. Pois é nesse momento que temos o ápice da crítica à sociedade do filme – o que nos é socialmente incutido é que casar, ter um imóvel e filhos saudáveis é o ideal de felicidade, mas, o que temos ali é o horror travestido de vida comum. “Ah, mas o casal protagonista não teve escolha!” – será que realmente temos escolha? A crítica está justamente naquilo que é dado como “natural”, mas que nada mais é que uma imposição social – essa situação em que as pessoas formam casaizinhos, têm filhos e formam famílias é uma convenção e uma convenção imposta, a qual poucas pessoas questionam e muitas engolem como um inevitável remédio amargo. E a situação dita perfeita ganha contornos de pesadelo, o desgaste toma conta da existência e sobra poucas coisas além de aguardar, com anseio, a morte. Pois bem, o filme, fazendo uso de uma metáfora e aumentando um pouco a saturação das cores, mostra o quanto seguimos um script prévio e quanto isso é a antítese da vida. O condomínio encantador torna-se asséptico, as belas comidas e bebidas não têm sabor, o silêncio antes agradável torna-se ensurdecedor e as graciosas nuvens no céu colorido mostram-se, agora, aterradoras. Os filhos? Ah, estes existem para substituir os pais nessa engrenagem bem azeitada – e absolutamente previsível e monótona. Os humanos, enfim, têm o mesmo destino de uma galinha de granja – nascer, reproduzir e morrer. Até compreendo que o filme não agrade – ninguém quer ser reduzido a mero gado, todos querem acreditar piamente serem senhores de seus destinos e o filme cutuca justamente isso. Eu gostei da crítica e do questionamento que a obra impõe. A atmosfera claustrofóbica garante a angústia do espectador, que vivencia o horror através dos protagonistas. O desenho de produção é ótimo – o condomínio fofo que subitamente abrange todo o horizonte e não permite saída é realmente assustador. Quanto ao trabalho de interpretação, Imogen Poots e Jesse Einsenberg conseguem passar a dimensão de seu horror ao gradualmente definhar, tanto física quanto psicologicamente. O pequeno Senan Jennings está ótimo como o menino – um verdadeiro espírito obsessor que se alimenta da energia dos “pais”. Gostei também da completa inexpressividade de Eanna Hardwicke como o menino adulto – bem conveniente ao personagem. O filme, bastante “mindfuck”, dialoga com outros como “Coherence” (2013) e “O Incidente” (2014). Eu gostei bastante, principalmente por conseguir estabelecer um paralelo com a vida real – vejam com outros olhos além do óbvio. Está facinho de ver pelo streaming Prime Video.



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