Filme do dia (282/2020) - "A Ilha Nua", de Kaneto Shindo, 1960 - Em uma minúscula ilha vivem um casal e seus dois filhos pequenos. O solo da ilha é árido e não há fonte de água no local, tornando a agricultura do lugar difícil e trabalhosa, pois é necessário buscar, no continente, toda a água a ser utilizada na lavoura ou na casa. Não é uma vida fácil.
Acho que esta obra entra no rol de filmes mais angustiantes que eu já vi, não por eventos excepcionalmente tristes, mas por expor, como poucas, a sujeição dos indivíduos a uma realidade árdua e praticamente impossível de ser alterada. A família do filme vive de acordo com as estações do ano e sua rotina é extremamente pesada. Todos os dias, o casal se dirige ao continente para buscar água em enormes baldes que precisam ser levados morro acima por caminhos de terra tortuosos e muito íngremes. A obra discorre sobre resiliência, aceitação e conformismo pois nada, nem mesmo um evento trágico, tem o poder de mudar aquela realidade. A angústia no espectador surge ao perceber que aquele verdadeiro inferno de vida é inescapável, é impossível aquela família sair daquele tormento e ela aceita aquilo sem qualquer resistência. A obra é MUITO autoral e ainda mais sensorial - é um filme para ser sentido, vivenciado até as entranhas. Começa que não há, ao longo do filme, nenhum diálogo - N-E-N-H-U-M - nem, tampouco, monólogos ou falas soltas. Há uma única palavra dita por um dos personagens durante toda a duração da obra - "força", a palavra mais significativa que poderia ser falada naquela realidade. Tudo, na obra, é transmitido através da linguagem corporal ou expressão facial dos personagens e, acredite, o corpo encurvado e o rosto lavado em suor deles pirambeira acima dizem mais que mil palavras. A fotografia P&B bem contrastada é belíssima, havendo um choque entre a beleza da paisagem e o verdadeiro terror daquela existência. Durante boa parte do filme há uma música melancólica recorrente que vai ficar, durante dias, na cabeça do espectador. As interpretações ficam por conta de Nobuko Otowa (a esposa) e Taiji Tonoyama (o marido) e eu as achei fantásticas - há uma cena em especial, único momento de inconformismo da mulher, onde os olhares significam mil dizeres, não haveria palavras melhores que aqueles olhares para transmitir uma ideia. Eu achei o filme incrível, magnífico. Mas há que se estar acostumado a ritmo de filme oriental, pois a obra é lentíssima, ritmo nível Ozu e Kim-Ki-Duk, já vou avisando. Eu, que adoro obras sensoriais, AMEI o filme. Recomendo muito (com a devida recomendação acerca do ritmo).
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