“A Memória do Cheiro das Coisas”, de Antonio Ferreira, 2025
- hikafigueiredo
- há 33 minutos
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Filme do dia (96/2025) – “A Memória do Cheiro das Coisas”, de Antonio Ferreira, 2025 – Armênio (José Martins) é um idoso de 79 anos, ex-combatente em Angola, que é levado para uma clínica de idosos. No local, enquanto é assombrado por traumas do passado, ele desenvolve um surpreendente apega à cuidadora negra Hermínia (Mina Andala).

Já vou avisando que minhas considerações em relação a esse filme estarão profundamente influenciadas pela gigantesca antipatia que ela me despertou por conta de comentários desairosos ao Brasil e aos brasileiros, tendo em vista que eu não tenho síndrome de vira-lata e não acho Portugal nenhuma Meca a ser reverenciada. A narrativa acompanha um ex-combatente português que lutou na guerra colonialista de Angola que é levado para um lar de idosos. Ali, ele é assombrado por traumas de guerra e, após rejeitar uma cuidadora negra – Hermínia - acaba se afeiçoando a ela. O filme discorre sobre envelhecimento, superação de traumas, racismo, machismo e redenção. O protagonista Armênio é um homem moldado pelo espírito colonialista português e orgulhoso de suas origens europeias. Ele trata com evidente desdém os imigrantes, despreza negros e faz gracejos inadequados às mulheres. Arrogante, trata mal o filho e rejeita a filha. Ele tem pesadelos recorrentes com a guerra, mas, quando questionado, aparenta orgulho das atrocidades que cometeu em combate. O personagem é claramente construído para despertar a rejeição do espectador e é bem evidente que a narrativa se desenvolve para que ele se redima e ganhe a simpatia do público, mas isso não funcionou comigo, pois, no fim da história, continuei achando o protagonista uma pessoa detestável A narrativa é linear, pontuada, de tempos em tempos, pelos pesadelos contumazes do personagem. O ritmo é entre lento a moderado, sem um clímax bem definido. A atmosfera deveria ser de desalento e tristeza, mas eu vi tanta arrogância na obra que não consegui alcançar esse espírito intimista. O grande motivo da minha antipatia pelo filme refere-se a um personagem brasileiro da história. Jefferson é um cuidador de Armênio e imigrante do Brasil. Ao ser questionado pelo idoso se sente saudades do Brasil, ele diz que não, porque o país está “tomado pela bandidagem”. Isso já me irritou, porque achei o comentário xenofóbico e desrespeitoso, e, ainda que estivesse na “voz” do brasileiro, é muito evidente tratar-se da opinião do diretor. Mas não para por aí – foi na próxima interação com o personagem que apertou meu calo. A certa altura, o cuidador se desliga da clínica e, quando perguntado o motivo, ele responde “o Senhor me indicou o caminho” – o deboche em relação ao personagem ficou desenhado, assim como o desprezo do diretor ao nosso país e povo. Sinceramente, não sei o que esse filme está fazendo na Mostra de Cinema de São Paulo, uma vez que o seu criador nos acha tão insignificantes. Daí em diante azedou minha boa vontade e só fiquei com a obra entalada na garganta. Ao mesmo tempo, a empáfia do diretor ficou ressaltada e não saiu mais do meu foco. Outra questão que me “pegou”, foi a origem da conexão entre Armênio e Hermínia, que se dá porque a cuidadora, ignorando as orientações da clínica e o bom senso, incentiva o idoso em seu vício em cigarros. Eu até acho que pacientes terminais devam mesmo fazer o que quiserem, mas, Hermínia estaria faltando com seus deveres profissionais e eu sinto que há uma crítica sutil à personagem aí, como se ela não fosse assim tão séria ou competente. Eu sei que peguei um bode do filme e do diretor que serão impossíveis de remover. Décimo primeiro filme visto na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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