“Valor Sentimental”, de Joachim Trier, 2025
- hikafigueiredo
- há 1 dia
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Filme do dia (143/2025) – “Valor Sentimental”, de Joachim Trier, 2025 – Após a morte de sua ex-esposa, o célebre diretor de cinema Gustav Borg (Stellan Skarsgard) decide se reaproximar das filhas Nora (Renate Reinsve) e Agnes (Inga Ibsdotter Lilleaas). Ele oferece o papel principal de seu novo filme à Nora, uma promissora atriz de teatro, mas encontra a resistência da filha.

Até hoje, eu gostei bastante de todos os filmes que vi de Joachim Trier, mas “Valor Sentimental” atingiu um patamar diferente. Sensível, intimista e profundamente sensorial, o filme é uma verdadeira obra de arte. Os temas centrais do filme são a dificuldade da comunicação e a capacidade de expressão da arte, com foco no cinema. Na história, o diretor de cinema Gustav Borg, ainda que brilhante em sua profissão, sempre foi um pai ausente. Suas filhas Nora e Agnes cresceram distante dele, sob os cuidados da mãe psicóloga. Após a morte da ex-esposa, Gustav sente a necessidade de se aproximar das filhas, em especial Nora, a filha mais velha, intuindo terem muito em comum e percebendo certas fragilidades que Nora tenta esconder. Assim, Gustav oferece à Nora o papel principal de seu novo filme, após anos sem produzir qualquer obra. A filha, no entanto, magoada com a longa ausência do pai, mostra-se resistente e rejeita o papel que, então, é oferecido a uma badalada atriz hollywoodiana. A obra foca na dificuldade de comunicação entre Gustav e as filhas – muito mais sensível do que ele demonstra, Gustav tem seus traumas, suas dores interiores e uma enorme dificuldade em se expressar, diretamente, com palavras, com as pessoas que ama. Essa dificuldade é interpretada, pelas filhas – e por Nora, principalmente – como indiferença e ausência de afeto. Entretanto, Gustav sabe, com maestria, como se comunicar através do cinema – é na sua arte que Gustav expressa aquilo que ele não sabe manejar com palavras ou ações, é ali que ele abre seu coração, expõe suas fragilidades e oferece seu apoio, sensibilizando seus espectadores como não consegue fazer com quem se relaciona na “vida real”. E será através da arte que Gustav e Nora refarão sua comunicação e construirão uma nova relação, muito mais íntima, sólida e compreensiva. O filme é muito tocante sem cair, em momento algum, para o melodrama ou para sensibilidades baratas – não, aqui os sentimentos surgem com densidade, mas sem alarde, sem a típica histeria hollywoodiana. Como de costume no cinema nórdico, os sentimentos são profundos, mas reservados, contidos, embora sentidos com intensidade. Os personagens, por sua vez, são construídos com muita solidez – Nora, como o pai, oculta seus sentimentos. Ela tenta demonstrar controle das situações, mas, interiormente, sofre de maneira errática e vive um caos interno. Seguindo o pai, ela encontra na arte – no caso, a interpretação – a vazão para sua ebulição emocional. Agnes, ao contrário, encontrou uma estabilidade interior cuja explicação é discutida na própria narrativa (sem spoilers) e, por este mesmo motivo, consegue relacionar-se com o pai de uma maneira mais serena. Gustav, por fim, é o personagem mais complexo da trama e que, confesso, me despertou sentimentos contraditórios. Ele guarda dores muito pesadas sem transparecer, de certo modo ele achou sua forma pessoal de lidar com toda essa bagagem traumática. Ele não é desprovido de amor pelas filhas, muito pelo contrário – apesar de Nora afirmar que ele não as conhece, ele as percebe com precisão cirúrgica -, mas a comunicação é truncada. A tentativa de aproximação é uma forma de dizer “eu estou aqui, eu amo vocês e vocês podem contar comigo”. No entanto, tenho de dizer que me incomodei com a aproximação tardia – achei um pouco cômodo Gustav surgir como o pai amoroso (okay, com um afeto meio tímido, mas ainda assim afeto) nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, quando o ocaso já começa a acenar. Tenho certeza de que não foi a intenção do diretor e que essa leitura, provavelmente, é muito particular minha, mas essa redenção já na velhice me soaria bem conveniente não fosse a sensibilidade demonstrada por Gustav quanto à “leitura” das filhas. Assim, o personagem me tocou de diferentes formas, algo meio ame, mas nem tanto. Aqui, como em outros filmes do diretor, a câmera é intimista e perscruta os personagens, extraindo sentimentos e sensações de cada olhar, de cada expressão facial, principalmente da maravilhosa Renate Reinsve – diva! – mas também de Stellan Skarsgard, um ator por quem tenho verdadeira adoração. Como fez no ótimo “A Pior Pessoa do Mundo” (2021), são inúmeras as cenas em que o diretor fecha a imagem em Renate Reinsve e ela caminha em direção à câmera. Merece destaque, ainda, a onipresença da residência da família – a casa, há gerações na família de Gustav, carrega, em suas paredes, toda uma história de lutas, dores e sentimentos complexos, e funciona como uma personagem à parte, com tanto “peso” quanto as demais. O filme, magnífico por qualquer ângulo que se veja, foi agraciado com o Grand Prix no Festival de Cannes (2025), tem sido presença constante nas premiações e festivais mundo afora e tem vaga garantida no Oscar (2026) – Stellan Skarsgard tem minha torcida ferrenha para Oscar de Melhor Ator Coadjuvante ano que vem... O filme é obrigatório, viu? Atualmente em cartaz nos cinemas.



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