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hikafigueiredo

“A Terceira Margem do Rio”, de Nelson Pereira dos Santos, 1994

Filme do dia (19/2024) – “A Terceira Margem do Rio”, de Nelson Pereira dos Santos, 1994 – Um homem abandona a família e sai rio afora em sua canoa, sem jamais pisar em terra firme novamente. Enquanto isso, seu filho Liojorge (Ilya São Paulo) cresce e passa a viver à sombra do pai ausente.




 

Baseado na fusão de cinco contos de João Guimarães Rosa (“A Terceira Margem do Rio”, “A Menina de Lá”, “Os Irmãos Dagobé”, “Fatalidade” e “Sequência”), o filme vai acompanhar a trajetória do personagem Liojorge e sua família. Como não conheço os contos, confesso que não soube perceber com nitidez os limites de cada conto dentro da obra, apenas intuindo os mais óbvios, no caso, os três primeiros. Tudo começa com o abandono da família pelo pai de Liojorge, que deixa tudo para trás e sai em sua canoa. Sua esposa vaticina que ele jamais retornará e que não chegará a lugar algum. Durante anos, Liojorge e sua irmã convivem com a ausência-presença de seu pai na figura do rio – ainda que o pai não apareça, seus filhos se dirigem ao rio como se a ele falassem. Certo dia, Liojorge apaixona-se por uma moça, Alva, e decide constituir sua própria família, sem, no entanto, abandonar seu rio-pai. Do casamento nasce uma filha, Nhinhinha, que revela estranhos poderes. A família vive em sossego, à sombra do avô ausente, até a chegada de perigosos forasteiros. Dois elementos são bem marcantes no filme. O primeiro, comum a todas as partes da história, se refere ao Brasil profundo, aqueles cantões do país onde a lei do mais forte impera e onde a legalidade formal não alcança. Liojorge e os seus vivem à margem de tudo – do rio, da lei, da civilização – e assim seguem tentando sobreviver da melhor forma. O segundo elemento é o fantástico – acontecimentos mágicos aceitos como normais e completamente adaptados àquela realidade, presentes tanto na história do pai supostamente vivendo em uma canoa em meio ao rio, quanto no fato de Nhinhinha ter poderes extraordinários. A narrativa, assim, tem um pezinho no realismo fantástico, capaz de envolver o espectador em uma aura de magia que chega a descolá-lo da crueza do restante da história e das violências que ela sugere. A narrativa é linear, com vários lapsos temporais, em ritmo lento a moderado. A atmosfera é bastante peculiar, pois, ao mesmo tempo que traz o peso do abandono, da violência e da perda, também expõe certa esperança e aconchego nos adventos mágicos que acontecem. Eu me senti completamente envolvida pela narrativa e encantada com o completo domínio que o diretor Nelson Pereira dos Santos tem do cinema. Destaque para a cena do casamento (na verdade, todo o intervalo relacionado ao conto “A Terceira Margem do Rio”) e para a arrepiante cena do caixão que passa de mão e mão (sem spoiler). Destaque, também, para o trabalho sensível de Ilya São Paulo como Liojorge – nem vou dizer que é uma interpretação incrível, mas ele soube trazer muita humanidade para o personagem, o que gerou um carinho incomum pelo protagonista. Destaque, por fim, para a maravilhosa trilha musical de Milton Nascimento. O filme é bem diferente, fora do lugar comum e muito envolvente. Grande achado. Gostei demais e recomendo.

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