Filme do dia (128/2024) – “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, 2024 – Brasil, 1970 – Em plena ditadura militar, o engenheiro e ex-deputado Rubens (Selton Mello), sua esposa Eunice (Fernanda Torres) e seus cinco filhos vivem no Rio de Janeiro, em uma casa confortável e cercados por muitos amigos. Certo dia, sem nada que sugerisse essa possibilidade anteriormente, militares em roupas civis surgem na casa da família e levam Rubens, dando início a um longo pesadelo familiar.
Contundente é a palavra que melhor define o filme. Baseado no livro homônimo de autoria de Marcelo Rubens Paiva, este drama biográfico relata um pouco de um dos períodos mais nefastos da história brasileira, representado pela tragédia que se abate sobre a família Paiva. Partindo da narrativa particular desta família, conseguimos dimensionar um pouco a violência, a injustiça e toda a sorte de desmandos dos governos militares brasileiros das décadas de 1960 a 1980. É uma narrativa dolorosa pois Rubens não foi simplesmente torturado e morto pelos militares – ele se tornou um “desaparecido político”, o pior limbo a que uma família pode ser exposta, pois, não obstante a razão conclua que aquele desaparecido já foi executado, sempre existe uma réstia de esperança para os familiares e amigos, que acabam torturados pela dúvida. Rubens Paiva foi subitamente arrancado dos seus sem qualquer aviso prévio; ele não teve tempo de preparar a esposa e os filhos para aquilo que viria, ele não teve a chance de se despedir dos entes amados, ele não pode desfrutar de seus últimos momentos com quem lhe era importante. Ele simplesmente se foi, em um dia comum, um dia qualquer, e o filme consegue dar essa dimensão de perda e de vazio com muita habilidade. O filme não mostra o que aconteceu com Rubens Paiva – a família nunca soube os detalhes de sua morte, que apenas se tem notícia de que ocorreu em algum dia de janeiro de 1970 -, pois se atém a Eunice, sua esposa, que, do dia para a noite, se vê sozinha, com toda a carga de responsabilidades de sua família e ainda tendo de ser forte, o esteio dos cinco filhos do casal. Tal qual a personagem Eunice – uma fortaleza, uma mulher que assumiu a condução da família numa situação completamente desfavorável, sem se deixar abater, muito embora, por dentro, estivesse destruída -, a narrativa é forte, densa. Em um ritmo moderado, mas com incrível fluidez, a narrativa acompanha os passos de Eunice após o sequestro de Rubens e é impossível não se comover com tudo que acompanhamos na tela. A atmosfera é de angústia extrema – são os escombros emocionais de uma mulher que tem a urgência de se manter em pé e se reconstruir. Maravilhosamente roteirizado por Murilo Hauser e Heitor Lorega e dirigido por Walter Salles, é um filme muito marcante, mas é a interpretação contida de Fernanda Torres, que rouba a cena. Não há cenas de desespero externado ou dramalhão incontido – não, a dor é toda internalizada, temos apenas noção do sofrimento de Eunice através do olhar perdido e vazio e da tensão facial da personagem, um trabalho exemplar da fantástica atriz. Não bastasse a interpretação poderosa de Fernanda Torres, temos ainda, um flash do talento de sua mãe, a diva Fernanda Montenegro, que interpreta, em uma minúscula cena, Eunice idosa – é uma cena, mas QUÊ cena!!! O filme foi agraciado com o Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza (2024) e é a aposta brasileira para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2025. É um filme grandioso, recomendo demais. Assistido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Comments