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"Alphaville", de Jean-Luc Godard, 1965

  • hikafigueiredo
  • 17 de set. de 2021
  • 4 min de leitura

Filme do dia (270/2021) - "Alphaville", de Jean-Luc Godard, 1965 - Um agente secreto disfarçado de jornalista - Lemmy Caution (Eddie Constantine) - chega à futurista cidade de Alphaville, a qual é controlada por uma inteligência artificial - Alpha 60 - construída por um cientista exilado das demais "galáxias" (cidades). Seu objetivo é destruir a inteligência artificial que exerce o controle sobre a população da cidade e tenta lhes destruir sua humanidade.





Se meus conhecimento e experiência cinematográficos têm grandes lacunas, a maior delas tem um nome e ela se chama Jean-Luc Godard. Eu realmente não conheço nada do diretor, muito por conta de um ranço juvenil por uma única obra com a qual tive contato até hoje. Mas, se tem algo que não podem me acusar é de não ser insistente, e cá estou eu dando o braço a torcer depois de assistir a um filme do diretor. Não vou dizer que "Alphaville" não é um filme difícil - definitivamente, fácil a obra não é, e exige bastante trabalho dos neurônios do espectador que se prontificar a vê-la, mas, admito, foi uma experiência bastante rica e estimulante. A história discorre sobre uma hipotética cidade futurista comandada por uma inteligência artificial que controla seus cidadãos. Estes são obrigados a agir conforme a lógica da inteligência artificial, uma lógica matemática, exata e, portanto, inumana. Por ela, foram extirpadas todas as emoções dos cidadãos, que, impedidos de sentir, tornam-se quase máquinas. Evidentemente, é impossível extrair todo e qualquer sentimento dos seres humanos e, assim, os cidadãos acabavam sendo brutalmente executados por externarem quaisquer dores ou alegrias. Em uma realidade onde a emoção é execrada e punida com a morte, poesia e arte foram banidas e a linguagem precisa ser constantemente vigiada e amputada para impedir manifestações que atentem contra a lógica, o não-sentir e o não-pensar. A obra é complexa, simbólica e profundamente interpretativa. Pode parecer que eu estou expondo muito mais do que deveria, antecipando uma leitura que deveria pertencer apenas ao espectador, mas, acredite, o que revelei não é nem a ponta do iceberg da narrativa, o público ainda tem muito a ler, interpretar e entender. O filme traz, além de metáforas, críticas pertinentes, principalmente críticas sociais e políticas. A mais óbvia delas é sobre os estados totalitários: seu controle da população, a opressão às liberdades individuais, a manipulação das informações e por aí vai, traçando um belo paralelo com outras obras como "1984" de George Orwell e "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, mas não se limitando apenas a eles. Destaco, em especial, uma ideia muito certeira contida tanto neste filme quanto em "1984" - a de que a pobreza de vocabulário leva a uma maior dificuldade de livre pensamento: é necessária "bagagem vocabular" para que o pensamento flua com facilidade. Outro destaque é a forma como as mulheres são apresentadas na história - elas parecem existir apenas em função do gênero masculino, o ambiente todo é extremamente misógino, machista e tóxico; há uma profunda objetificação da mulher na história, o que me incomodou de sobremaneira, e me pergunto se isso foi uma crítica ou a visão do diretor. De qualquer modo, achei a questão bem "podre". A narrativa é linear, muito embora seja um grande flashback. O ritmo é de lento a moderado, mas crescente - o final chega a ser bem mais ritmado que o início. Apesar de ser uma obra que exija muito - muito! - do pensamento racional, o filme também mostra-se sensorial e o espectador é levado a sentir uma forte angústia com aquilo que vem à tela. É perceptível que é uma obra com muito conteúdo, mas, também a forma mereceu grande atenção do diretor. O fato da história ser uma ficção científica não a impediu de ser um típico filme noir, com tudo aquilo que lhe caracteriza, desde a temática policial, passando pela fotografia P&B contrastada, até a típica narrativa em "off" (que aqui ganha dois diferentes emissores - além do protagonista Lemmy, também a inteligência artificial Alpha 60 participa das falas em "off"). Tratando da fotografia, a obra caracteriza-se por uma câmera em movimento quase constante - o que é a cena inicial no hotel, um plano-sequência que entra pelo ambiente, acompanha o elevador subindo, passeia pelos corredores? Sublime!!! - pobre assistente de câmera, teve trabalho, viu... No elenco, Eddie Constantine interpreta Lemmy - não sei se foi opção do diretor, mas achei o ator - que acho que nem conhecia - bastante inexpressivo, não gostei do trabalho dele. A musa Anna Karina interpreta Natacha Von Braun e, na minha opinião, é infinitamente superior a Constantine: vários são os planos-detalhes do rosto da personagem e as mudanças de expressão, muitas das quais sutis, são incríveis (lembrando que a personagem pertence à Alphaville e, como tal, deve represar seus sentimentos e questionamentos). O filme é fantástico, ainda que eu tenha a sensação de não ter absorvido nem um terço de tudo o que a obra tem a oferecer. É desses filmes para ver muitas e muitas vezes, se possível com caderninho do lado para anotar falas, dúvidas e observações. Eu gostei demais, apesar das dificuldades em entender e absorver tanta informação. Recomendo, mas só para quem quer ter trabalho rs.

 
 
 

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