Filme do dia (407/2020) - "Amadeus", de Milos Forman, 1984 - Viena, século XIX. O músico e compositor Antonio Salieri (F. Murray Abraham), já bastante doente, narra, a um padre, sua paixão pela música e descreve sua relação com o o irreverente e genial autor Mozart (Tom Hulce).
Apesar de acompanhar a breve vida do músico e compositor Mozart e ser visto como uma pequena biografia do autor, é certo que o filme trata menos do músico e muito mais de uma lenda que se formou em torno dele e de outro músico, seu contemporâneo, o italiano Antonio Salieri. Na realidade, pouco de verdade existe na obra como biografia de Mozart. Até a relação conturbada entre os dois autores é considerada, pelos biógrafos, como uma fábula e o que temos é romanceado ao extremo. Independente de quão verossimilhante ou não seja a história do filme, a questão central dele é a inveja e o despeito que um talento extraordinário é capaz de despertar em que não tem mesma sorte de possuí-lo. Pois é disto que se trata a obra: um pequeno estudo acerca da inveja. Na obra, Salieri é retratado como músico medíocre - uma profunda inverdade, segundo eu li por aí -, cuja paixão pela música, aliada ao pouco talento, teria corroído completamente sua moral, levando-o a desejar o mal e até mesmo participar, em algum grau, da morte de seu suposto desafeto, Mozart. E é nesta linha de desenvolvimento que segue a narrativa - a admiração que se transmuta em uma nascente inveja e indignação e que, paulatinamente, vai tomando todo o ser de Salieri, inclusive após a morte de seu objeto de mágoa. A narrativa, não-linear, trata-se de um grande flashback das memórias de Salieri, onde Mozart é percebido como genial e talentoso por um lado, e, por outro, inconsequente, mimado e pouco apto à vida adulta. O ritmo da obra é bem marcado e crescente e a atmosfera começa alegre e vai, gradualmente, tornando-se mais e mais sombria. O filme traz uma direção de arte de época vistosa e detalhada, realçada pela fotografia de ótima qualidade. A trilha sonora, evidentemente, estabelece-se sobre a obra de Mozart, destacando trechos famosos de suas sinfonias, óperas e concertos. Quanto às interpretações, temos, aqui, uma covardia: de um lado, F. Murray Abraham nos entrega uma atuação comedida, mas cheia de minúcias; seu Salieri é um personagem com espessura, que desperta pena e desprezo, que, de um lado admira o talento de Mozart e, de outro, tomado pela mágoa e inveja, quer sua completa destruição. O ator está fantástico como o suposto oponente de Mozart, tanto que ganhou o Oscar de Melhor Ator pelo papel, bem como o Globo de Ouro. Já Tom Hulce nos entrega um Mozart histriônico, exagerado, com pouca profundidade, muito embora atraia certa simpatia do espectador. O filme é muitíssimo bem conduzido, sendo agraciado com diversos prêmios - Oscar de Melhor Filme, Direção e Roteiro Adaptado, além de Figurino, Direção de Arte, Maquiagem e Mixagem de Som; Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático, Direção e Roteiro; César de Melhor Filme Estrangeiro; dentre outras premiações menos conhecidas. A obra é fantástica, muito embora não possa ser considerada como um filme biográfico sério, mas sim uma ficção muito bem engendrada. Única reclamação: é um pouco longo demais, quase 3 horas de duração, tendo pelo menos um trecho que eu acho um pouco cansativo (o desenvolvimento da ópera Don Giovanni), mas nada que estrague o filme. Muito bom, recomendo demais.
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