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hikafigueiredo

"Ana e os Lobos", de Carlos Saura, 1973

Filme do dia (428/2020) - "Ana e os Lobos", de Carlos Saura, 1973 - Ana (Geraldine Chaplin), uma jovem estrangeira, chega a uma grande mansão, onde se tornará preceptora de três crianças. No local moram, ainda, uma velha senhora, a "Mãe" (Rafaela Aparício), e seus três filhos: José (José Maria Prada), Juan (José Vivó) e Fernando (Fernando Fernán Gómez), além de Luchy (Charo Soriano), esposa de Juan. Rapidamente, os três homens interessam-se por Ana e passam a assediá-la.





Esta obra de Saura foi produzida ainda sob regime franquista, sendo uma certa alusão à situação do país. Severo crítico do governo de Franco, alinhado ao fascismo, Saura encontrou, na alegoria, a forma de dar vazão às suas ideias, completamente contrárias ao regime imposto. Deste modo, a obra é uma grande metáfora da Espanha sob o franquismo, representando, cada personagem, um aspecto daquela realidade: a mansão, aqui, representa o país enquanto espaço físico, geográfico; a Mãe, significa a pátria, imóvel e debilitada, mas que é suportada pelos três filhos, cada qual representando um dos esteios do governo franquista; José representa o exército, o poderio militar, que vive a reverenciar o passado (aqui, o museu de José); Juan representa a família, que vive sob severa repressão sexual, mas que trai a esposa (representação da hipocrisia da sociedade); Fernando representa a Igreja Católica, que tranca-se em si mesma (a gruta) para simular, falsamente, que não compactua com os demais poderes; e Ana representa as ideias libertárias, exógenas àquela situação (por isso, uma estrangeira), que abalam a estrutura estabelecida logo à sua chegada. O desfecho, traumático, é uma representação da reação do regime franquista às forças libertárias, à criatividade e ao livre pensamento. Por ser metafórico, o filme ganha ares felinianos e torna-se quase incompreensível - ou, ao menos, caótico - sem uma leitura mais aprofundada de seus signos e significâncias. Não duvido que ainda existam mais significados escusos - as crianças, as cartas de Juan, a boneca enterrada - mas admito que não consegui fazer uma leitura precisa de tudo. A ousadia textual, no entanto, não encontra eco na forma, pois, formalmente, a obra mantém-se bastante convencional. A fotografia, muito clara e um tanto quanto "lavada", chegou a me incomodar. A direção de arte não nos permite situar as ações em um tempo determinado (lembrando que o regime de Franco durou da década de 30 a meados da década de 70, o que justificaria esse tempo incerto). Quanto ao elenco, Geraldine Chaplin está ótima como Ana: a personagem reveste-se de ambiguidade ao reagir, de maneira desordenada, aos avanços dos três irmãos - tal qual as ideias progressistas que podem se aproximar ou se afastar dos três poderes já mencionados -, e a atriz traz essa dubiedade com segurança; Fernando Fernán Gómez também tem uma atuação poderosa como Fernando: chegamos a simpatizar com ele em alguns momentos, mas, não se engane, ele é tão perverso quanto os demais irmãos; Rafaela Aparício está incrível como "a Mãe", beirando a insanidade. A obra é excepcional - eu amo filmes alegóricos!!! -, um verdadeiro marco na filmografia de Carlos Saura. Recomendo demais, mas há que se estar disposto a fazer a leitura das simbologias ali contidas.

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