Filme do dia (133/2024) – “Anora”, de Sean Baker, 2024 – Anora (Mikey Madison) é uma garota de programa do Brooklyn que, certa noite, é chamada para atender Ivan (Mark Eidelstein), o filho de um magnata russo. Após alguns dias juntos, Ivan pede Anora em casamento, o qual acaba ocorrendo em Las Vegas. Mas o sonho dourado de Anora é ameaçado pelos pais de Ivan, decididos a acabar com este casamento.

Com ares de conto de fadas, o filme é, na realidade, um drama amargo sobre sonhos, poder e desilusão. A obra, de uma maneira cruel, desconstrói a esperança ingênua de modificação de uma realidade desfavorável por algum mecanismo mágico, algum acontecimento excepcional, esfregando, na nossa cara, a crua realidade: quem está na base da pirâmide, continuará nela até o último dia de sua vida. É verdadeiramente um conto de fadas às avessas, que expõe a irrealidade dos sonhos e a impossibilidade de realizá-los. A história, repleta de alegria e cheia de alívios cômicos, tem um desfecho doloroso e sem direito à esperança, um verdadeiro soco no estômago. A história começa apresentando Anora – ou Ani, como ela prefere ser chamada -, uma jovem que vive da prostituição. Ela atende clientes em um clube noturno, local onde ela conhece Ivan, o herdeiro de um oligarca russo. Ao longo de alguns dias, Ivan apresentará tudo do bom e do melhor para Anora, que se sentirá num paraíso de luxo e riqueza. Até que Ivan a pede em casamento – e ela, vivendo um sonho dourado, aceita. Ocorre que a família do rapaz não aceita a decisão e se desloca da Rússia para os EUA para acabar com a relação entre os dois enamorados. O que segue justifica o ditado “quanto maior o sonho, maior a queda”. A narrativa é linear, em ritmo alucinante. A atmosfera é leve e alegre, tornando-se deprimente quanto mais nos aproximamos do desfecho. A personagem Anora mostra-se alegre, divertida, forte e decidida, mas, na realidade, ela vive atrás de defesas hercúleas e, somente ao final, ela vai baixar a guarda e se permitir expor-se realmente. Anora, no fundo uma sonhadora, demora para perceber quem é Ivan e quais são as suas intenções. O filme traz cenas picantes de sexo e muita nudez feminina, o que é compreensível face à profissão da protagonista, mas, talvez, um tanto desnecessário após certo tempo. Destaque para o desenho de produção, que cria um ambiente de luxo extremo e prazeres infindáveis, quase um outro mundo. Quanto às interpretações, gostei bastante do trabalho de Mikey Madison – sua Anora é tão espontânea e cheia de energia que nem parece que, ali, existe uma jovem despedaçada; também fiquei satisfeita coma interpretação de Mark Eidelstein – ele constrói um Ivan fútil, mimado, egoísta e inconsequente, tudo aquilo que um filhinho da mamãe milionário pode ser na realidade; mas, quem me encantou mesmo, foi o ator Yuriy Borisov como o Igor – o personagem é o alento em meio à lama, alguém que tem um olhar crítico, empático e sensível e que vê Anora com olhos diferentes dos demais, e o ator consegue transmitir isso tudo com muita facilidade. O filme foi agraciado com a Palma de Ouro em Cannes (2024) e é cotado como um dos grandes concorrentes ao Oscar (2025) e ao Globo de Ouro (2025). Olha... eu gostei muito do filme, ele tem muitas qualidades indiscutíveis, mas eu o acho “hypado” demais e, sinceramente, não acho que era o caso de ganhar o prêmio máximo em Cannes. Resta saber quanto fôlego ele tem e se chega tão forte às demais premiações.
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