Filme do dia (76/2023) – “Ao Anoitecer”, de Claude Chabrol, 1971 – Após matar sua amante, esposa de seu melhor amigo, Charles (Michel Bouquet) passa a sentir toda a culpa por seu ato infame. Paulatinamente, ele revelará seus segredos, buscando quem lhe castigue como acredita merecer.
Um abismo sem fim – este é o sentimento vivido pelo protagonista Charles após matar – intencionalmente ou não – sua amante, esposa de seu melhor amigo. Corroído pela culpa, antecedente, inclusive, ao assassinato – Charles percebia a infinita traição que cometia contra seu melhor amigo e sua própria esposa ao manter um caso extraconjugal com a esposa do primeiro, mas não conseguia se desvencilhar da relação quase doentia que levava com a amante -, Charles busca a punição ideal: matar a amante talvez tenha sido o primeiro passo para redimir-se por seus atos desleais, pois, aumentando drasticamente sua culpa, seria, a seu ver, digno de castigo ainda maior. Após o sórdido assassinato, o protagonista, gradativamente, revela seu segredo para terceiros, sempre em busca de um algoz que o reprove como mereça. No entanto, para seu desespero, seu histórico imaculado leva todos a lhe oferecerem compreensão, perdão ou redenção e não o sofrimento atroz que ele, no fundo, almeja. A obra, assim, discorre sobre o remorso, um arrependimento tão profundo que tire qualquer razão de ser do indivíduo e ele sinta a necessidade pungente de ser punido exemplarmente. O filme caracteriza-se pelo silêncio, muito mais eloquente que as palavras ditas pelos personagens... Charles sofre infinitamente mais calado do que quando fala sobre o assunto, equilibrando-se entre o esconder e o revelar constantemente. A obra trata, ainda, de temas como o perdão, a amizade, a cumplicidade, o afeto e, por incrível que pareça, o amor, sendo um filme bastante rico em sua leitura. A narrativa é linear, em ritmo vagaroso e constante. A atmosfera é pesada, soturna, angustiada e angustiante – Charles sofre tão intensamente que não consegui sentir raiva dele, mas apenas dó de sua situação. A fotografia colorida traz tons frios, azulados, nas cenas externas, ao contrário das internas, quase sempre em tons quentes. A música, como em outras obras do diretor, é economizada ao extremo – o silêncio de muitas cenas é incômodo, perturbador, e ajuda a tornar ainda mais pesado o clima da narrativa. Quanto às interpretações, Michel Bouquet faz um trabalho incrível como o sofrido Charles – e é na expressão corroída e olhar vazio que ele transmite mais fortemente a dor do protagonista; no papel de sua esposa, adivinhem: Stéphane Audran... aqui, ela interpreta uma personagem menos blasé e elegante, mas, ainda assim, extremamente contida e conciliadora. O nome da personagem? Novamente, Hélène... Como era de se esperar, ela está muito bem no papel, ainda que goste mais da atriz quando sua personagem é mais inalcançável. No papel do amigo traído, François Périer, num trabalho preciso e cuidadoso. Gostei demais do filme, principalmente por ele lidar tão pontualmente com um sentimento doloroso como a culpa – a obra vai ao fundo MESMO deste sentimento. Recomendo MUITO!
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