Filme do dia (44/2022) - "Apresentando os Ricardos", de Aaron Sorkin, 2021 - EUA, década de 50. O programa de televisão "I Love Lucy" é um estrondoso sucesso de público, alcançando a impressionante marca de 60 milhões de espectadores por episódio. Em meio ao sucesso, uma bomba: a atriz Lucille Ball (Nicole Kidman), protagonista do seriado, é acusada, por um jornal, de ser comunista. Paralelamente, o casamento de Lucille com Desi Arnaz (Javier Bardem) entra em crise, diante das suspeitas da atriz quanto à fidelidade do marido. Durante uma semana, o casal viverá seu inferno astral, sem saber se o programa continuará frente às acusações e o estresse da crise matrimonial.
Durante o macarthismo e a "caça às bruxas" comunista, Hollywood esteve, especialmente, sob a mira do congresso norte-americano. Os trabalhadores das mídias - fossem diretores, atores, roteiristas ou o que mais - estavam sob eterna vigilância, tinham suas vidas vasculhadas e enfrentavam o risco de serem vítimas de toda a sorte de intrigas, inclusive por parte de seus iguais. Neste panorama, ser taxado de comunista era o pior dos pesadelos - melhor seria ser apontado como assassino, o perdão seria mais provável. Assim sendo, não é de se estranhar que a pecha de "comunista" de Lucille Ball tenha causado comoção na atriz e na equipe do programa a tal ponto de ter virado mote de um filme. A narrativa desenvolve-se ao longo de uma semana, período em que a atriz, seu marido Desi e a equipe do seriado viverão sob forte tensão, motivo para o surgimento de um sem fim de atritos e desavenças entre todos os envolvidos. Na minha leitura, o que mais me chamou a atenção na obra, foi o rígido regramento social daquela época - todos tinham de viver sob um severo código de conduta e ai de quem ousasse sair da linha. E não se trata apenas de posicionamento político não. No decorrer da narrativa, percebe-se o machismo, o moralismo e a intolerância que imperavam naqueles dias. Temos, na obra, inúmeras situações em que as mulheres são confrontadas a agir dentro de parâmetros socialmente impostos - e a atriz Lucille Ball equilibra-se arduamente no muro, por vezes impondo-se como profissional, por vezes acatando docilmente regras as mais machistas possíveis impostas à sua personagem, às mulheres da sua equipe e a ela própria. Apesar de achar o roteiro da obra bastante interessante, eu me incomodei um pouco com a quantidade de estresse somado na narrativa, que não se limita à questão da denúncia acerca do posicionamento político de Lucille Ball ou à crise do casamento - há discussões com a equipe, há confronto com os anunciantes, há bate-boca com o estúdio de tv, há embates (inúmeros) entre o casal, o que faz com que a narrativa seja uma sequência infinita de disputas e confrontos: mudam os agentes, mas o tom de estresse permanece igual sejam quem forem os envolvidos. Esse "bate-bola" rende, sem dúvida, ótimos diálogos, mas, lá pelo meio do filme, começa a ficar um pouco cansativo, pois falta certa "modulação" no tom geral. A narrativa é prioritariamente linear, ainda que existam, aqui ou ali, cenas em flashback dos personagens Lucille e Desi (que, inclusive, me pergunto se eram essenciais... tenho para mim que não faria muita diferença se fossem tiradas da obra). O ritmo é bem marcado, ritmo esse exacerbado pela atmosfera de tensão extrema constante. O filme aposta bastante na metalinguagem - brinca-se muito com os bastidores e com as gravações das cenas do programa. O filme ainda cria falsas cenas de documentário, colocando atores/atrizes como se fossem antigos membros da equipe falando sobre aquela semana em especial. A fotografia alterna cenas coloridas e P&B, mas admito que não ficou muito claro para mim quais foram os preceitos utilizados para usar esta ou aquela opção. Gostei bastante da reprodução de algumas cenas célebres do programa "I Love Lucy", em especial da cena das uvas, que até eu - que acho que jamais vi um episódio inteiro do seriado - conhecia. Também gostei muito da reprodução visual da década de 50, impecável. Quanto ao elenco, temos, no papel da protagonista Lucille, uma irreconhecível Nicole Kidman - a maquiagem dela, na minha modesta opinião, assustadora, não a deixou parecida com a atriz real, mas também tirou as feições da própria Kidman, algo estranhíssimo. A estranheza física que Nicole Kidman me causou, no entanto, não atrapalhou seu incrível desempenho que, inclusive, revelou um insuspeito talento para a comédia física, o que pode ser medido pela reprodução da tal cena das uvas já mencionada. Kidman consegue dar nuances e profundidade à personagem Lucille, marcada pelas reações contraditórias quanto à acusação acerca de seu posicionamento político e as suspeitas de infidelidade do marido. Por sua atuação, Nicole Kidman foi indicada ao Oscar (2022) de Melhor Atriz. No papel de Desi Arnaz temos o magnífico Javier Bardem, sempre primoroso. O ator Desi Arnaz era a estereótipo do galã - boa pinta, charmoso e ciente disto - e Bardem consegue transmitir essa segurança de se saber talentoso e desejado ao mesmo tempo em que passa o duplo estresse da situação que está vivendo. Como Kidman, Bardem também foi indicado ao Oscar (2022) de Melhor Ator, muito justificadamente. O elenco é completado por uma ótima Nina Arianda como Vivian Vance e J. K. Simmons como William Frawley, papel que rendeu ao ator uma indicação ao Oscar (2022) na categoria Ator Coadjuvante. A obra é ágil, vívida, tem grandes virtudes, mas confesso que terminei de assisti-la cansada daquele tom extremo, do estresse constante. O estresse do filme me estressou! rs Ainda assim, acho uma ótima pedida e recomendo (produção original da Amazon Prime, está facinha nesse streaming).
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