Filme do dia (05/2023) - "Argentina, 1985", de Santiago Mitre, 2022 - Na Argentina, em 1984, o Promotor de Justiça Dr. Júlio César Strassera (Ricardo Darín) recebe a incumbência de investigar e promover a acusação dos responsáveis pela sangrenta ditadura militar estabelecida no país à partir de um golpe de estado em 1966. Com a ajuda de um promotor adjunto, Dr. Luis Moreno Ocampo (Juan Pedro Lanzani), Strassera irá enfrentar toda a violência e o fanatismo daqueles que apoiavam a ditadura, revelando, ao mundo, as entranhas de um dos mais nefastos regimes impostos ao continente.
A obra - excelente, ao meu ver - escarafuncha um assunto espinhoso, mas de extrema importância: a ditadura militar argentina dos anos 1960-1980. O filme expõe o difícil e perigoso trabalho assumido pelo Promotor de Justiça Dr. Strassera que, sem receios e meias palavras, passou a investigar os porões da ditadura argentina, trazendo à tona os horrores inimagináveis daqueles anos. Em tempo recorde, Strassera, com ajuda de sua equipe, descobre, localiza e escuta centenas - talvez milhares - de vítimas do regime militar, pessoas que foram sequestradas, torturadas e aviltadas de todas as formas possíveis, mas que sobreviveram à violência - sorte que muitas outras vítimas não tiveram, sendo sumariamente assassinadas pela ditadura. A obra evidencia a necessidade extrema de se encontrar, acusar, julgar e condenar, exemplarmente, os responsáveis por tais atrocidades, trazendo justiça àqueles que sofreram terrivelmente nas mãos do governo, sob o risco de arrastar, futuro adiante, as mazelas da ditadura e de deixar impunes verdadeiros carrascos da sociedade (eeeerrr... lembra algum país aqui do continente?). O roteiro, ainda que bem convencional, alinhava, com maestria, o caminho percorrido pelo protagonista e sua equipe desde a nomeação de Strassera para coordenar os trabalhos, até o sentenciamento daqueles que foram acusados. Impossível não fazer um paralelo com a situação atual do país, que, até hoje, sofre os efeitos de uma anistia universal que equiparou vítimas e algozes da ditadura militar, mantendo, por perto, criaturas nefastas daqueles tempos. Impossível, também, não se horrorizar com os depoimentos REAIS reproduzidos na narrativa, em especial o depoimento da vítima Adriana Calvo, algo além de chocante e revoltante. A narrativa é linear, em um ritmo moderado e constante. A atmosfera é de apreensão contínua, face às reiteradas ameaças ao protagonista, à sua família, à sua equipe, ao processo criminal e à própria democracia recém-estabelecida na Argentina. Formalmente, o filme é bastante convencional, lembrando outros tantos filmes de tribunal. Merece destaque a trilha musical da obra que vai de tango argentino a música pop, passando, ainda, por outras sonoridades típicas daquele país. No elenco, Ricardo Darín (ah, vá!!!) no papel de Dr. Júlio César Strassera, competente como sempre: o personagem é convincente, pois se buscou sua humanização, ao contrário de transformá-lo em um herói raso e irreal. No papel de Luis Moreno Ocampo, o também ótimo Juan Pedro Lanzani (para quem não liga nome à pessoa, ele também trabalhou no excelente "O Clã", 2015) - o personagem é ainda mais humano e imperfeito que Strassera e o ator está ótimo nele. Alejandra Flechner interpreta a personagem Silvia Strassera, esposa do promotor. Norman Briski dá vida ao personagem Ruso. Destaque para Laura Paredes como Adriana Calvo - o depoimento mais "indigesto" reproduzido na obra. O filme é excelente, tanto que foi premiado com o Globo de Ouro (2023) de Melhor Filme Estrangeiro, além de ser indicado ao Critic's Choice Awards (2023) na mesma categoria e ao Leão de Ouro (2022)... esperemos o Oscar (2023), já que ele é um forte candidato a Melhor Filme Estrangeiro também nesta premiação. Eu gostei demais, recomendo e está facinho na Amazon Prime.
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