Filme do dia (102/24) – “As Chaves do Reino”, de John M. Stahl, 1944 – Francis Chisholm (Gregory Peck) é um jovem padre escocês que recebe a incumbência de fundar uma paróquia católica no interior da China. Ao longo de anos, o padre sofre infortúnios e hostilidades até conquistar o respeito e o carinho da comunidade.
Baseado no romance homônimo de A. J. Cronin, o filme trata, antes de tudo, de determinação e resiliência, ambos na forma do Padre Francis Chisholm, o protagonista de nossa trama. A narrativa acompanha a retrospectiva da história de Francis, de sua adolescência à velhice, proporcionado pelos escritos registrados em seus diários. Após uma série de infortúnios e perdas, o jovem Francis decide abraçar, com convicção, sua fé católica, tornando-se padre. Cedo, a pedido de um antigo pároco, Francis aceita a missão de fundar uma paróquia católica no interior da China, o que vai se revelar um gigantesco desafio. Considerando o tema e a época do filme, evidente que nos deparamos com algumas questões no mínimo problemáticas. A principal, claro, reside em um dos próprios fundamentos do cristianismo, que é a evangelização dos povos, a qual, atualmente, entendemos ser um processo de aculturação destes. Claro que esta é uma leitura atual e minha, pois a obra passa ao largo desta questão, muito embora a hostilidade sofrida pelo protagonista seja sintomática. O filme retrata, em certo momento, a intolerância religiosa dentro da Grã-Bretanha, mostrando o conflito entre católicos e protestantes, a qual resulta em uma tragédia na via do protagonista. Também nos deparamos com algumas questões bastante machistas e misóginas, principalmente quando o filme trata da cultura chinesa – curioso que, através do roteiro, percebemos que existe uma crítica quanto ao tratamento dispensado às mulheres na China, mas essa mesma crítica inexiste quando se trata da cultura ocidental (existe uma passagem em que fica evidente a misoginia do patriarcado na sociedade ocidental, mas ela passa com naturalidade e não em tom de crítica). Outro ponto retratado é a xenofobia que, no caso, aparece como uma via de mão dupla: tanto os chineses não querem o padre em suas terras, quanto, em uma visita, um monsenhor deixa bastante evidente sua opinião controversa acerca dos chineses. Mas, a despeito dos pontos problemáticos, o filme constrói uma imagem profundamente positiva do nosso protagonista, o qual surge como um homem humilde, justo, generoso, correto e, acima de tudo, muito razoável. O personagem, muito embora busque novas almas para a sua fé, jamais o faz com ameaças, imposições ou desrespeito à cultura local e existem, inclusive, momentos em que ele diz admirar a religião local (confucionismo) e exalta um amigo que é, assumidamente, ateu. O roteiro desenvolve-se bem, sem saltos ou ponto obscuros, mas também sem grandes reviravoltas. A obra é bem convencional tanto quanto á linguagem usada, quanto à estética. Destaque para a bela fotografia P&B, que muitas vezes é responsável pelo estabelecimento ou modificação da atmosfera da narrativa. Destaque, também, para o fato de terem feito uso de atores verdadeiramente orientais em uma época em que era comum simplesmente maquiarem os atores ocidentais para que parecessem orientais – isso se chama representatividade e é muito bem-vinda. No elenco, temos um jovem Gregory Peck, em sua segunda incursão ao cinema, como protagonista, numa interpretação tão notável que o levou à sua primeira indicação aos Oscar (1946) de Melhor Ator. Ele está ótimo e seu Padre Francis é um personagem adorável. Como personagem Angus, temos Vincent Price, também em começo de carreira. Como sou muito fã dos dois atores, não consigo ver erro em nenhuma interpretação deles (rs). Interpretando o médico Willie, um sólido Thomas Mitchell, e como madre superiora, Rose Stradner. Apesar dos erros conceituais apontados, bastante compreensíveis pela época em que o filme foi feito, é uma obra simpática e muito agradável de acompanhar. Gostei e recomendo. Disponível apenas em torrent e mídia física.
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