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hikafigueiredo

"As Duas Irenes", de Fabio Meira, 2017

Filme do dia (32/2022) - "As Duas Irenes", de Fabio Meira, 2017 - Irene (Priscila Bittencourt) é uma garota de treze ano que descobre que seu pai possui, na mesma região interiorana onde vive, uma segunda família e uma outra filha, com a mesma idade que ela e também de nome Irene (Isabela Torres). Indignada, mas curiosa, Irene adentra à segunda família do pai e acaba por fazer amizade com a irmã homônima, com quem vivenciará aventuras e descobertas.





O delicado drama de Fabio Meira coloca em pauta a questão da identidade e singularidade do ser através das duas personagens Irenes. Na história, temos a primeira Irene, que, vinda de uma família tradicional do interior, ocupa a posição de filha do meio na família, o que lhe garante certa invisibilidade dentre a prole, uma vez que não é nem a primogênita - aqui, prestes a fazer quinze anos e, consequentemente, seu "debut" na sociedade interiorana em que vivem -, nem a caçula, tradicionalmente o filho mais mimado de uma família. Ocorre que Irene descobre, para seu desgosto, que, não bastasse a invisibilidade garantida por sua condição de filha do meio, ela ainda "concorre" com uma irmã bastarda, de uma segunda família de seu pai, cuja idade e "graça" são iguais às suas. Assim, começa o drama da "primeira" Irene para encontrar e definir sua identidade como ser e, ainda mais importante, encontrar aquilo que a torna singular no mundo - tarefa complicada, uma vez que passa a existir o reflexo da irmã homônima. Surpreendentemente, no processo pela busca de suas identidades, as duas Irenes vão, justamente, trilhar o caminho inverso, pois, ao longo da narrativa e de sua aproximação e amizade, elas passam a mimetizar uma à outra, misturando suas características, parecendo-se, cada vez mais, uma com a outra. Vê-se, pois, uma complexa "batalha" interior das duas meninas para se estabelecerem como indivíduos autônomos e únicos, cujo desfecho será bastante surpreendente. Além disso, o filme também toca nas questões da hipocrisia da "tradicional família brasileira", da responsabilidade afetiva, do patriarcado, da hierarquia familiar, do desenvolvimento do afeto fraterno, da maternidade, das crises da adolescência, do afloramento da sexualidade, do impacto da figura masculina no desenvolvimento psicológico dos filhos e da amizade entre garotas. É uma obra cuja riqueza encontra-se mais nos detalhes do que naquilo que é evidente e que abre um grande leque de temas para discussão. A narrativa é linear, em ritmo de lento a moderado e constante. A atmosfera inicial, para mim, foi tensa, angustiante e dolorosa, mas, ao longo da narrativa, ganhou certa leveza pela intimidade e companheirismo que se desenvolve entre as duas meninas, o que acaba legando potência às personagens, isto é, a amizade entre elas as tornam mais resistentes e fortes frente às adversidades. Tecnicamente, o filme traz uma fotografia muito clara e luminosa, com pouco contraste e pouca influência no estabelecimento de atmosfera. A direção de arte traz a clara distinção entre a família original e a secundária - na primeira, solidamente identificada com a tradicional família do interior, são usadas roupas em tons pastéis e vestuário sempre muito comportado; aqui, há a figura da doméstica subserviente, rigidez nos comportamentos, certo sufocamento e claustrofobia; na família da amante, já há o uso de cores mais vibrantes, vestimentas mais ousadas, maior liberdade na conduta, uma atmosfera mais alegre e vibrante. A trilha sonora suave traz a icônica guarânia "Índia" em destaque, além da maravilhosa "Bachianinha #1", de Paulinho Nogueira, demais músicas assinadas por Edson Secco. Quanto ao elenco, as duas atrizes juvenis Priscila Bittencourt e Isabela Torres estão de (muito) parabéns!!!! Ambas conseguem imprimir as mais diversas emoções em suas personagens, bem como conseguem caracterizá-las bem no início e, aos poucos, "mesclar" essas características quando passam a interseccionar atributos e maneiras de agir. Enquanto Priscila Bittencourt reforça a amargura da "primeira" Irene, que logo se torna rebeldia, Isabela Torres evidencia a impulsividade e liberdade da "segunda" Irene, muito mais ousada que a meia-irmã. No papel de patriarca, um ótimo Marco Ricca que consegue imprimir nuances ao personagem, tornando-o um pouco menos desprezível. Gostei do elenco majoritariamente feminino, isso é tão raro... O filme é gostosinho, delicado, introspectivo, trabalha muitas questões sem alarde, na miúda, e traz um trabalho incrível de elenco, em especial das duas atrizes centrais. Eu curti bastante e recomendo!

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