Filme do dia (245/2021) - "Assassinos por Natureza", de Oliver Stone, 1994 - Um famoso casal de serial killers - Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) - vaga pelo sul dos EUA, deixando um rastro de sangue por onde passa. Através das lentes do repórter policial Wayne Gale (Robert Downey Jr.), eles tornam-se "queridinhos" do público, mas o célebre policial Jack Scagnetti (Tom Sizemore) promete acabar com seu histórico de crimes.

Eu definiria a obra como "um filme de Tarantino filmado por Oliver Stone". Isso não é gratuito, pois a história é realmente de Quentin Tarantino e isso acaba ultrapassando qualquer particularidade da direção de Oliver Stone. Como era de se esperar considerando o autor do argumento, a obra, a um só tempo, celebra a violência e faz um crítica contundente à espetacularização dessa mesma violência, apontando o poder midiático na construção desse verdadeiro "circo" em torno de figuras controversas e, muitas vezes, sanguinárias. A história acompanha um casal de serial killers visto sob o ângulo dos próprios personagens, ou seja, o olhar da obra é de completa simpatia pelos dois assassinos em série, até mesmo porque nos é apresentado um histórico do casal e tomamos conhecimento da infância de abusos físicos e psicológicos de Mickey e dos avanços sexuais sofridos por Mallory por parte de seu próprio pai sob a permissividade de sua mãe, fazendo com que eles sejam produtos de uma brutal violência anterior. Sim, nós, espectadores, somos completamente manipulados para simpatizarmos com os dois assassinos! Aliás, ao longo do filme, o casal continua sendo reativo a acontecimentos abusivos - logo na primeira cena, Mallory reage ao homem que se aproxima dela com intenções sexuais tão somente por ela estar dançando em um bar de estrada (que atire a primeira pedra a mulher que nunca quis dar uma surra e/ou um tiro em homem abusivo em uma balada; essa cena quase lava a alma da mulherada). É lógico que, analisando minimamente a história, não deveríamos torcer pelo casal que assassina, sem qualquer dor na consciência, quem passa na frente deles, mas isso que faz fantástico esse roteiro - de certa forma, o próprio público do filme vivencia a mesma manipulação midiática que a legião de fãs do casal dentro da história, uma grande sacada! Outra questão marcante na história é que "não existe santo em casa de tolerância" - o policial Scagnetti é um canalha pervertido e que usa de suas credenciais de policial para abusar de mulheres, o jornalista Gale é um egocêntrico que só liga para si próprio e que fomenta a violência e o culto a personalidades doentias e o diretor de presídio Warden McClusky é um sádico que acha normal torturar seus detentos e varrê-los da face da Terra quando conveniente; em outras palavras, a linha que separa os criminosos dos "dentro da lei" é muito tênue, quase inexistente. Bom, a narrativa segue uma linha cronológica principal, mas há, sim, incursões a fatos passados, de modo que não dá para falar muito em tempo linear. O ritmo é para lá de alucinante, com estilo mais tarantinesco do que stoniano, uma verdadeira descarga de energia. O filme celebra a violência gráfica, usa e abusa de planos criativos, posicionamentos de câmera originais, uma edição ultra dinâmica e, até mesmo, impõe certa comicidade em algumas cenas - o destaque, para mim, é a cena em que Mickey e Mallory se conhecem, apresentada na forma de capítulo de seriado: ainda que repleta de elementos muito pesados, pois mostra as investidas do pai a Mallory, algo chocante e nojento, a cena é tratada como um esquete televisivo, acompanhado, até, das risadas típicas dos seriados cômicos, além de interpretações propositalmente forçadas e marcações de texto (aquele tempo que é dado para o público poder rir entre uma frase de efeito e outra). Destaque, ainda, para a cena do índio e para o desfecho envolvendo o jornalista Gale. A sonoridade é marcada por uma trilha sonora de rock pesado, ainda que algumas cenas tragam músicas mais suaves e românticas. O elenco, primoroso, traz Woody Harrelson fazendo o que ele sabe fazer de melhor - um personagem completamente "fora da casinha", que segue uma lógica interior própria, capaz de ser apaixonado por Mallory e um louco assassino ao mesmo tempo; Juliette Lewis também abusa de seu talento para fazer uma Mallory traumatizada, emocionalmente frágil e fisicamente brutal (acho que ela está melhor ainda que Harrelson) - juntos, eles fazem dos personagens um casal icônico e irretocável; nem é necessário dizer que Robert Downey Jr. foi feito para o papel do jornalista narcisista, egocentrado e ambicioso, né, já que ele também se especializou no tipo; Tom Sizemore está bastante bem como o policial Scagnetti - ele é um tipo bem apessoado e repulsivo ao mesmo tempo e tão produto da mídia quanto os assassinos a que persegue; Tommy Lee Jones interpreta o diretor de presídio McClusky - hmmm... ele está muito bem, mas eu imaginaria outro ator para o papel, mais especificamente Gary Oldman (gente... o personagem seria perfeito para ele!! No elenco, ainda, Rodney Dangerfield, um maravilhoso ator cômico, aqui no papel do pai de Mallory (justamente para trazer aquela aura humorística para a cena pesadíssima!!) e Edie McClurg como a mãe de Mallory (mesmo caso de atriz cômica para a cena). A obra ganhou o Prêmio especial do Juri no Festival de Veneza daquele ano. Eu sou suspeitíssima, pois adoro o filme e vejo mil críticas e leituras nele, mas é inegável que é um filme extremante feliz no seu argumento e na sua realização. Adooooro! Recomendo pacas, mas há que se gostar de violência gráfica, porque é tiro, porrada e bomba de cima a baixo.
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