Filme do dia (107/2023) – “Asteroid City”, de Wes Anderson, 2023 – Na peça teatral “Asteroid City”, acompanhamos a minúscula cidade ficcional homônima, local onde acontecerá um encontro de jovens estudantes geniais. Durante o evento, no entanto, uma intercorrência estranha e surpreendente fará com que todos os presentes fiquem presos na cidade por um período considerável.
Wes Anderson é um cineasta de estilo muito particular, cujos filmes, sempre bastante autorais, trazem discussões, críticas e comentários sutis e nem sempre fáceis de compreender e degustar. Em “Asteroid City”, Wes Anderson sobe alguns degraus no seu estilo peculiar e entrega uma obra que “abraça o mundo”, pontuando um sem-fim de assuntos, de uma forma ainda mais esquisita do que é o habitual do diretor. Sim, porque Wes Anderson adora uma esquisitice que, dentro de sua lógica própria, ganha todo o sentido. Antes de mais nada, “Asteroid City” é uma obra metalinguística, pois é um filme sobre uma peça que está em construção, enquanto acompanhamos uma espécie de “making off” dessa feitura. Ao longo do filme, permanecemos constantemente em uma zona meio nebulosa entre o que é e o que não é, e o diretor brinca o tempo inteiro com essa ficção que se mistura à realidade e cujos limites são vagos e imprecisos – um personagem, de repente, pode abrir uma porta e se tornar o ator que representa aquele personagem discorrendo sobre o papel. Confuso? Sim, mas, curiosamente, é o que traz mais graça ao filme, pois, como outras obras do diretor, há um forte componente lúdico na narrativa. Mas, indo além da metalinguagem, temos outros conteúdos inerentes à obra. O diretor consegue abarcar muitas menções ao longo da narrativa: considerando que a história se passa em 1955, temos referências à Guerra Fria, à corrida espacial, à corrida armamentista, aos anos de ouro de Hollywood, críticas ao american way of life (em especial às exigências de sucesso pessoal e profissional, à validação através do reconhecimento alheio e à busca por popularidade), ao poderio militar sobre a população civil e até uma alusão à pandemia (quando a cidade fictícia é colocada em quarentena). Evidente que todos estes temas são abordados de forma superficial e não existe qualquer intenção de aprofundá-los ou esgotá-los – como já mencionei, Wes Anderson brinca com os conteúdos de seus filmes, apresentando um divertido quebra-cabeças que o espectador é convidado a montar na base da tentativa e erro. Como em todos os filmes do diretor, os muitos personagens são estranhos, alguns são meio disfuncionais ou, ao menos, ligeiramente inadequados ao ambiente – o que me fez, inclusive, não curtir o ótimo “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001) quando o vi pela primeira vez e ainda não tinha compreendido a lógica pessoal de Wes Anderson. Passando do conteúdo que a tudo engloba para a forma, temos um típico filme do diretor. Temos, mais uma vez, os planos abertos e minuciosamente simétricos, os posicionamentos de câmera inusuais, a preferência por ângulos “retos” (a câmera a 180 graus, observando tudo na linha da ação; a 0 grau, em contra plongée absoluto; ou a 90 graus, em plongée absoluto), movimentos de câmera rígidos (travellings laterais que passam por diferentes ambientes) e as delicadas cores pasteis (aqui alternadas com uma fotografia P&B suave e pouco contrastada). As interpretações também seguem o “padrão Wes Anderson” – levemente robóticas, não-naturalistas, sem expressões faciais intensas, com interações meio truncadas, e movimentação contida: quem já viu qualquer filme do diretor, sabe do que eu estou falando. O elenco, também como de costume, traz um monte de nomes conhecidos e estrelados (tenho a impressão que Wes Anderson é um camarada muito bacana, porque parece que todo mundo quer fazer uma pontinha em seus filmes) e basta passar os olhos no rol de intérpretes para compreender a dimensão do que eu digo – temos Scarlett Johansson, Jason Schwartzman, Tom Hanks, Margot Robbie, Adrien Brody, Matt Dillon, Edward Norton, Bryan Cranston, Jeff Goldblum, Tilda Swinton, Steve Carell, Sophia Lillis, Willem Dafoe, Liev Schreiber, Rita Wilson, e até mesmo Seu Jorge (que já havia trabalhado com o diretor em “A Vida Marinha com Steve Zissou”, 2004). É muito figurão junto e todos parecem estar se divertindo muito por participar do filme! Enfim... a obra é mais um filmaço – divertido e esquisitaço – de Wes Anderson. Quem já conhece a filmografia do diretor, vai certamente reconhecê-lo na obra e curtir. Quem não conhece, passou da hora de conhecer – apenas veja.
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