Filme do dia (87/2023) – “Beija-me, Idiota!”, de Billy Wilder, 1964 – Na pequena cidade de Climax, Nevada, o professor de piano Orville Spooner (Ray Walston) sonha em ter uma de suas canções gravadas por um cantor famoso. Ele vê sua grande chance quando Dino (Dean Martin) chega à cidade. Ocorre que Dino é um célebre mulherengo e Orville, o ciumento marido de Zelda (Felicia Farr). É o momento em que entra em cena o parceiro musical de Orville, Barney (Cliff Osmond), o qual monta uma complexa farsa para convencer Dino a ficar com uma música da dupla.
Baseado numa peça teatral de Anna Bonacci, o filme traz uma história ousada que chocou o público mais moralista e fez com que a Liga Católica da Decência se manifestasse contra a obra (é sério rs). A causa para tanto chororô dos puritanos é que o filme vai discorrer acerca de adultério. “Ah, mas infinitos filmes tratam disso e não causaram tanta comoção!”. Sim, mas aqui tem um componente a mais: a infidelidade não é apenas de um homem casado, ela alcança, também, uma esposa – e isso, a sociedade patriarcal via (e vê) como inaceitável. Não posso me delongar muito sobre a história para não incorrer em um spoiler monstro, mas cabe afirmar que Billy Wilder foi bastante corajoso em “bancar” a história, não cedendo às pressões da moralista sociedade norte-americana, fincando o pé numa narrativa fiel à peça italiana – uma comédia romântica atrevida e muito divertida. Apesar de ter um lado modernoso por discorrer sobre a infidelidade feminina, há passagens que chocarão o público atual, como a sugestão de Barney para Orville, orientando o amigo a agredir sua esposa para afastá-la de casa por uma noite (“Ela passará a noite chorando na casa dos pais, amanhã você pede desculpas e tudo voltará ao normal”) – oi???? Violência doméstica manda lembranças... E não é só esta a passagem discutível e perturbadora, pois há outras cenas que, aos olhos atuais, são imperdoáveis (como o relacionamento tóxico do casal Spooner), mas que expõem de forma evidente e constrangedora o grau do machismo e da submissão da mulher àquele tempo (conseguiam ser pior que o de hoje). Se o espectador conseguir abstrair essas passagens profundamente equivocadas, conseguirá aproveitar uma história cheia de ironias e ousadias que, nas mãos de um diretor talentoso como Billy Wilder, consegue, apesar de tudo, ser divertida. A narrativa é linear, em ritmo bem intenso, e cheia de reviravoltas. A atmosfera tem algo de sensual e muito de pecaminoso e seu humor é ousado e ligeiramente ácido. Tecnicamente, o destaque fica por conta da trilha sonora assinada por André Previn e de três canções assinadas por George e Ira Gershwin, o que, vamos combinar, não é pouca coisa. O elenco traz Ray Walston como Orville – Wilder queria Jack Lemmon para o papel (e o personagem era a cara dele!!!), mas, por conta de outros compromissos profissionais, Lemmon não pode aceitar. Ray Walston cumpre bem a função, mas acho que Lemmon teria se saído melhor na tarefa. No papel de Zelda, Felicia Farr – a personagem demora a mostrar a que veio, mas tem uma importantíssima função na história e a atriz entrega um trabalho eficiente. Dean Martin interpreta Dino – eu achei o personagem insuportável, mas tenho de admitir que Dean Martin assumiu perfeitamente o papel. Mas, para mim, quem brilha na obra é a linda Kim Novak, no papel de Polly – a personagem é o melhor da história e a atriz arrebenta em sua interpretação da sedutora garçonete cheia de bons sentimentos. Adorei a cena em que Polly e Zelda se encontram, uma aula de sororidade, lindo. Olha... o filme tem coisas que, conceitualmente, me incomodam (por serem machistas, por retratarem violências contra a mulher, por normalizarem relacionamentos tóxicos, por objetificarem a mulher, dentre outros problemas), mas entendo que, pela época da obra, temos que relativizar nossa leitura. Pela direção segura de Wilder e pelos diálogos rápidos, tão ao gosto do diretor, acho que vale a pena ver, motivo pelo qual recomendo com as ressalvas já mencionadas.
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