Filme do dia (38/2022) - "Ben-Hur", de William Wyler, 1959. Jerusalém, ano 26 D.C. Em uma Judéia ocupada pelos romanos, Judah Ben-Hur (Charlton Heston) é um jovem e rico príncipe judeu que, após muitos anos, reencontra um antigo amigo de infância - Messala (Stephen Boyd) - agora um aplicado tribuno militar romano. A alegria do reencontro logo dá lugar a uma assumida animosidade entre Ben-Hur e Messala, quando este pede para o amigo trair sua fé e povo e entregar os supostos líderes judeus contrários à ocupação romana. Após um acidente, Messala acusa Ben-Hur de traição à Roma e condena o antigo companheiro de infância às galés, sem imaginar que isso seria apenas o início de uma longa disputa entre os dois homens.

Indubitavelmente, o maior épico já realizado por Hollywood, o filme é uma adaptação do romance "Ben-Hur: Um Conto de Cristo", de Lew Wallace, o qual já havia tido uma primeira adaptação em 1925. A obra, cujo nome original já evidencia sua orientação cristã, traz a trajetória do personagem Ben-Hur, enquanto pontua as principais passagens da história de Jesus Cristo, costurando, com delicadeza, as fábulas do protagonista e do personagem bíblico. Ao longo da narrativa, acompanhamos a tenacidade de Ben-Hur e o lento despertar de sua fé - se, inicialmente, o que o mantém vivo é sua sede de vingança, paulatinamente este sentimento é substituído pelos preceitos da crença cristã como o perdão e o amor ao próximo. Não suponha que o filme só seja impactante para o fiel de quaisquer das religiões surgidas da fé em Jesus Cristo - por uma série de motivos, a obra impacta até o mais convicto ateu, começando pelos esforços despendidos para a concretização do filme, que significaram a mobilização de milhares de pessoas em torno da superprodução, uma das mais dispendiosas de Hollywood até então. A narrativa é linear e bastante simples - o protagonista praticamente não sai de cena ao longo do roteiro de complexidade mínima. O ritmo é marcado, trazendo alguns clímaces no decorrer da história, incluindo, aí, a icônica cena da corrida de bigas. Outra cena que merece destaque é a das galés, uma verdadeira aula da influência da edição no ritmo de um filme. A atmosfera da obra evolui no tempo - dos pesar e indignação iniciais, o espectador é levado à catarse e, mais adiante, à paz e glória da redenção. Tecnicamente, o filme alcançou o ápice do que era humanamente possível de se fazer com as condições existentes na época - num período em que não existia CGI, os grandiosos e nababescos cenários eram construídos na raça, exigindo o trabalho de centenas de pessoas, dentre cenógrafos, produtores e assistentes. Com fotografia, edição de som e efeitos especiais impecáveis, a obra elevou-se a um outro nível de qualidade, somente alcançada por outros marcos do cinema. O elenco foi encabeçado por Charlton Heston como Ben-Hur- o ator, que vinha de outra superprodução de temática bíblica, o emblemático "Os Dez Mandamentos" (1956), de Cecil B. de Mille, acabou marcado pelos tipos heroicos, tenazes, decididos e viris; curiosamente, o ator parece ter sido o único que não percebeu o forte componente homoerótico existente entre os personagens Ben-Hur e Messala: a tensão sexual criada entre os dois salta aos olhos do espectador e dá um tempero extra na mágoa que se cria entre os dois antigos amigos, agora oponentes; Messala, por sua vez, foi interpretado por Stephen Boyd, que nos entrega um personagem cruel e vingativo; Jack Hawkins interpreta o cônsul romano Quintus Arrius, um personagem que, inicialmente, nos desperta quase repugnância, mas acaba, aos poucos, conquistando a simpatia do espectador por sua generosidade; Hugh Griffith interpreta o Sheik Ilderim - e aqui, tenho de fazer um aparte: entendo que, na época, era normal que atores brancos interpretassem todos e quaisquer personagens, tivessem a etnia que tivessem, mas, atualmente, o "blackface" vivenciado pelo ator incomoda e escancara o racismo do cinemão hollywoodiano, e, por mais que a interpretação de Griffith tenha sido perfeita, não consegui perder de vista o ranço que me causou; Haya Harareet interpreta a personagem Ester, a principal personagem feminina da história, enquanto Martha Scott e Cathy O'Donnell interpretaram, respectivamente, Miriam e Tirzah. Em 1960, "Ben-Hur" fez arrastão no Oscar, sendo agraciado com onze - ONZE! - estatuetas, das doze que concorreu, dentre as quais Melhores Filme, Direção, Ator, Ator Coadjuvante (para Hugh Griffith), Fotografia e Montagem. Também ganhou em três categorias do Globo de Ouro (1960) - Melhores Filme, Direção e Ator Coadjuvante (para Stephen Boyd) e o BAFTA (1960) de Melhor Filme. Inegável que o filme é um marco na história do cinema e ainda empolga, fazendo com que os espectadores encarem suas mais de três horas e meia de duração com convicção. Por outro lado, é fato que filmes épicos - ainda mais bíblicos - caíram bastante de moda, o que afasta o público mais jovem - uma pena, pois é um filme com muitas qualidades. Até por sua importância histórica, eu gosto bastante da obra e acho que, pelo menos uma vez na vida, todo amante de cinema deveria assisti-la. Obrigatório.
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