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  • hikafigueiredo

"Bom Trabalho", de Claire Denis, 1999

Filme do dia (56/2022) - "Bom Trabalho", de Claire Denis, 1999 - No meio do deserto de Djibuti, pequeno país africano, um pelotão da Legião Estrangeiro encontra-se sob o comando do Comandante Bruno Forestier (Michel Subor). O segundo em comando é Galoup (Denis Lavant), que nutre uma admiração desmesurada por seu superior. A chegada do soldado Gilles Sentain (Grégoire Colin) irá despertar inveja e ciúme em Galoup na medida em que o novato atrairá a atenção do comandante e dos demais soldados.





A obra, de delicadeza e sutiliza ímpares, retrata os contraditórios sentimentos do protagonista Galoup pelo Comandante Forestier e pelo soldado Sentain. Muito embora não seja explícito, é claro o teor homoerótico das relações do subcomandante com seu superior e seu subordinado, ainda que nada "se realize" de fato - a homoafetividade de Galoup é completamente reprimida e direcionada para uma suposta fidelidade militar ao seu comandante. Assim, a temática LGBTQIA+ que perpassa toda a obra pode até passar despercebida para um espectador mais incauto ou resistente ao assunto, mas se mostra bem evidente para quem consegue ler nas entrelinhas, nos pequenos detalhes, inclusive na antipatia aparentemente gratuita de Galoup pelo soldado Sentain. Aliás, diga-se de passagem, a obra, como um todo, traz um forte apelo sexual ao mostrar, com detalhes, corpos masculinos desnudos em movimento, com um olhar evidentemente desejoso. A narrativa é não linear, trazendo o protagonista em dois momentos: um flashback em Djibuti e o presente, na França. O ritmo é lento, muito lento, muitíssimo lento - a obra é eminentemente contemplativa e mais de três quartos dela focam no cotidiano dos soldados: seus exercícios físicos, suas tarefas comezinhas, seu treinamento militar, sempre numa ótica sedutora e cobiçosa, muito comum quando o objeto é um corpo feminino, mas bem mais raro quando se trata de um corpo masculino (ou, no caso, muitos). A atmosfera é de desejo e sedução, mas com um fundo de suspense, pois cedo percebemos que Galoup pretende algo com o jovem soldado, mas não sabemos o quê, só nos restando aguardar o desfecho da história. Tecnicamente, o filme traz uma fotografia maravilhosa, com cores muito saturadas, muito brilho e contraste, aproveitando a luminosidade de um sol constante e inclemente. A câmera busca ângulos criativos e não raras vezes se fixa no objeto com interesse inusual. A beleza cênica do lugar também é muito bem aproveitada em alguns planos bem abertos. O filme traz pouquíssimos diálogos - em compensação, temos uma quase constante narrativa em "off" relativa aos pensamentos de Galoup, que, no fim das contas, é o que nos guia pela narrativa. O elenco traz o ótimo Denis Lavant (queridinho do diretor Leos Carax) como Galoup - sua interpretação certeira aposta muito mais no seu olhar e nas suas expressões faciais do que nos movimentos corporais; no papel do Comandante Bruno Forestier, Michel Subor - sua interpretação é bem discreta, mas correta; e como Gilles Sentain, o hipnótico Grégoire Colin - esse ator, com sua feição de pintura gótica, já havia me encantado em "Antes da Chuva" (1994) e, aqui, apenas consolidou minha ótima impressão sobre ele. O filme é ótimo, mas há que se estar disposto a senti-lo nas suas sutilezas, bem como aceitá-lo em seu ritmo moroso, muito diferente do que estamos habituados.

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