“Casa de Areia e Névoa”, de Vadim Perelman, 2003
- hikafigueiredo
- há 1 dia
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Filme do dia (34/2025) – “Casa de Areia e Névoa”, de Vadim Perelman, 2003 – Kathy Nicolo (Jennifer Connelly) é uma jovem que se encontra em depressão após ser abandonada pelo marido por conta da tendência ao alcoolismo da moça. Por um erro do governo, Kathy é despejada e sua casa é rapidamente levada a leilão, sendo comprada por preço irrisório pelo Coronel Behrani (Ben Kingsley), um exilado político iraniano que vive de subempregos, muito embora mantenha o padrão abastado de sua família. Kathy, inconformada, tenta reaver a casa, mas Behrani mostra-se irredutível em devolver o imóvel pelo mesmo valor adquirido.

Com um enredo angustiante e tristíssimo, o filme retrata a disputa dos dois protagonistas pela casa que, originalmente, era de propriedade de Kathy, mas adquirida em leilão por Behrani. O grande mérito da história é não cair, nem levemente, no maniqueísmo comum aos filmes estadunidenses. Ambos os personagens têm suas razões para querer a casa, não se trata de mero capricho: Kathy a vê como um símbolo da luta de seu pai, que trabalhou trinta anos para quitar o imóvel; é uma lembrança vívida da figura paterna e a representação da capacidade da protagonista em cuidar de si própria e se mostrar independente de sua mãe dominadora. Já Behrani vê, na casa, a possibilidade de oferecer uma vida decente para sua família e a chance de garantir a universidade do filho adolescente – como o imóvel foi adquirido muito abaixo do preço de mercado, é possível revendê-lo por um valor que permita adquirir outra casa e ainda sobrar para o pagamento dos estudos do filho caçula. Nenhum dos personagens é intrinsicamente ruim ou essencialmente bom – são pessoas normais que cometem erros e acertos e que, no mais das vezes, correm atrás de seus sonhos e tentam fazer o que acreditam ser o certo. Ao mesmo tempo, ambos têm forte preocupação com a sua imagem perante a sociedade e temem ser vistos como fracassados por seus familiares. Ao longo da narrativa a disputa se acirrará, em especial com a entrada de um terceiro personagem – o subdelegado Lester Burdon, o qual se apaixona por Kathy e resolve tomar as dores da moça, extrapolando – e muito – suas prerrogativas funcionais como policial. O que vemos, então, é uma gigantesca bola de neve, onde cada ação leva a uma reação exacerbada e despropositada, de forma que a situação ganha contornos cada vez mais dramáticos, com consequências tão mais inusitadas quanto trágicas. O desfecho é um dos mais dolorosos que eu me lembro de ter visto em um filme estadunidense, no qual ninguém ganha, todos perdem. O próprio título do filme remete à situação dos personagens – os sonhos e expectativas que irão se desagregar como areia e dissipar como névoa. A narrativa é linear, com algumas poucas cenas em flashback da família Behrani no Irã, quando o Coronel tinha prestígio junto ao Xá e que situam o personagem junto ao novo governo comandado pelos aiatolás – o passado do personagem certamente o levaria à morte no novo governo, o que justifica o terror de sua esposa em serem deportados pela imigração. O ritmo é marcado e constante, sem tempos mortos ou cenas desnecessárias. A atmosfera é de angústia e tensão – a narrativa é colocada de tal forma que o espectador é constantemente levado a tomar partido alternado: se em um minuto damos razão à jovem é para apenas, no minuto posterior, darmos razão ao refugiado; em pouco tempo percebemos que não há certo ou errado naquela situação, que exige uma composição mais complexa que àquelas almejadas por cada um dos protagonistas. Destaque para a bela fotografia da obra, que aproveita muito bem as imagens enevoadas daquele ambiente. Destaque absoluto também merece o elenco: Jennifer Connelly está excelente como a frágil Kathy. A personagem tem nuances dramáticas muito interessantes, que vão da desmotivação pela depressão à fúria por ver suas expectativas serem frustradas e a atriz consegue abarcar toda essa complexidade com competência. Falar de Ben Kingsley é meio que chover no molhado – o ator, notório por seu talento, dá dimensões muito humanas ao Coronel Behrani, tão ou mais complexo que Kathy, pois o personagem vai da severidade do militar ao amor extremo por sua família, sem que tal dualidade soe estranha ou falsa. Maravilhosa, ainda, é a atuação da atriz iraniana radicada nos EUA Shohreh Aghdashloo, que interpreta Nadereh, esposa do coronel. A personagem não compreende muito bem o inglês, motivo pelo qual toda a situação vivida torna-se ainda mais caótica e desesperadora aos seus olhos, e a atriz expressa essa confusão e angústia com muito vigor. Por seu trabalho, Ben Kingsley foi indicado ao Globo de Ouro (2004) e ao Oscar (2004), na categoria de Melhor Ator (em filme dramático, no caso do Globo de Ouro) e Shohreh Aghdashloo ao Oscar (2004) de Melhor Atriz Coadjuvante. O filme é excelente, ainda que muito doloroso. Eu gostei demais e recomendo muito. Segundo o Justwatch, o filme não está disponível em streaming, só em torrent ou mídia física.
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