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“Uma Família Normal”, de Park Joon-seok e Park Eun-kyo, 2023 

  • hikafigueiredo
  • há 3 dias
  • 3 min de leitura

Filme do dia (33/2025) – “Uma Família Normal”, de Park Joon-seok e Park Eun-kyo, 2023  - Os irmãos Jae-wan (Sol Kyung-gu) e Jae-gyu (Jang Dong-gun) vivem uma relação delicada e de não tão discreta tensão. Enquanto o primeiro, primogênito, é um advogado criminalista renomado, o caçula é um cirurgião ético e filantropo. Eles se encontram eventualmente para jantar em companhia de suas esposas Ji-su (Claudia Kim) e Yeon-kyung (Kim Hee-ae). Quando um violento vídeo acerca de dois jovens agredindo um sem-teto viraliza, os irmãos defrontam-se com um doloroso dilema.




 

Baseado na obra bibliográfica “O Jantar”, de Herman Koch, o filme trata de questões como os limites éticos, a banalização da violência, a superexposição dos jovens às redes sociais e a flexibilização da moralidade, mas, tem como temais mais centrais, o privilégio e a consequência deste para o desenvolvimento da empatia. A história parte destas duas famílias – de um lado, o advogado milionário e sua esposa-troféu; de outro, o cirurgião humanista e sua esposa dedicada a causas sociais, não tão ricos, mas, definitivamente, muito longe de terem problemas financeiros de qualquer espécie. O advogado não tem qualquer dilema moral em defender assassinos confessos, fazendo fortuna através de sua habilidade em obter absolvições; o médico, por sua vez, não esconde a crítica feroz que faz à atividade profissional do irmão abonado. Dos encontros entre essas duas famílias, subentende-se que ali há décadas de ressentimentos, disputas, despeito e inveja, tudo sob um fino verniz de amistosidade e educação. Ambas as famílias possuem filhos adolescentes, os quais estão concorrendo a vagas nas mais renomadas universidades, dentro e fora da Coréia do Sul. Ocorre que os primos cometem um crime estarrecedor – acreditando não terem testemunhas, eles espancam violentamente um morador de rua. No entanto, a ação é gravada por uma câmera de segurança e viraliza na internet. Enquanto a polícia investiga a identidade dos autores, os pais dos jovens imediatamente os reconhecem nas imagens – e entram em um dilema moral sobre o que fazer diante dessa situação. O filme sugere que a bolha de privilégio em que os jovens mimados vivem, somada à exposição reiterada à violência gratuita, banalizada pelas redes sociais, impede o desenvolvimento de qualquer empatia nesses jovens, os quais se acreditam superiores, merecedores dos privilégios e inatingíveis por qualquer forma de justiça ou punição. A história retrata ambos os adolescentes como frios e manipuladores, pequenos narcisistas à beira da psicopatia, os quais se divertem com a violência gratuita e o sofrimento alheio. Nesse ponto, o espectador vai ter de lidar com o profundo sentimento de indignação e injustiça que surge a partir do comportamento egoísta e amoral dos jovens e de sua completa incapacidade de sentir culpa ou remorso de qualquer espécie. O filme entra, ainda, na questão do papel dos pais dentro da família – os pais devem acolher, amar e apoiar incondicionalmente seus filhos? Devem impor limites rígidos e ensiná-los a ter uma ética sólida? O que disto tudo pode ser flexibilizado de acordo com a situação? E como desenvolver a empatia de suas crianças para que eles tenham compaixão pelos demais seres? Sem entrar em spoilers, adianto que as reações, decisões e condutas serão polêmicas e poderão surpreender o espectador mais desavisado, mesmo descontando certos exageros e soluções fantasiosas. A narrativa é linear, muito bem desenvolvida, em um ritmo moderado e crescente. Gostei muito de como os diretores apresentaram os personagens e do desenvolvimento deles ao longo da narrativa. Formalmente, o filme é impecável. A forma como o desenho de produção e a fotografia são colocados reforçam a falsa percepção de ambiente sofisticado e saudável, quando há, na realidade, um interior frágil, conflituoso, hostil e hipócrita. Gostei muito do uso de uma paleta de cores sóbrias, claras e discretas, dando a ilusão de equilíbrio, bem como a escolha por ambientes amplos, com iluminação indireta, pouco mobiliário e linhas clássicas e requintadas. A fotografia colorida é suave, com iluminação difusa e posicionamentos de câmera diversificados e sofisticados, com o predomínio de planos abertos e médios. O trabalho do elenco é excepcional – todos estão muito bem, demonstram a complexidade de seus personagens e seus conflitos internos. Destaque para a cena do atropelamento inicial, a qual acarretará uma série de consequências; para a cena do acidente com o cervo, que leva ao estilhaçamento do vidro, pura alegoria do que ocorre com os personagens; a cena do diálogo entre as esposas no segundo jantar – bate-bola perfeito, onde a ironia, o deboche e as sutis provocações correm soltas; e para o terceiro jantar e deu desfecho perturbador. O filme dialoga intimamente com o maravilhoso filme “O Deus da Carnificina” (2011). Eu gostei demais do filme, o qual prendeu minha atenção do começo ao fim, ainda que eu tenha percebido, de antemão, alguns movimentos dos personagens antes que eles acontecessem. Recomendo, até mesmo por sua discussão muito atual e necessária acerca dos rumos da juventude. Atualmente nos cinemas.

 
 
 

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