"Chuva Negra - A Coragem de Uma Raça", de Shohei Imamura, 1989
- hikafigueiredo
- 1 de mai. de 2022
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Filme do dia (68/2022) - "Chuva Negra - A Coragem de Uma Raça", de Shohei Imamura, 1989 - Hiroshima, 1945. Após a morte de sua mãe, a órfã Yasuko (Yoshiko Tanaka) vive com seu tio Shigematsu (Kazuo Kitamura) e sua tia Shigeko (Etsuko Ichihara). No dia 06 de agosto, quando Hiroshima é atingida pela bomba atômica lançada pelos EUA, Yasuko estava fora da cidade, mas é atingida pela chuva negra que se segue ao bombardeio. Cinco nos depois, os três vivem em Fukuyama, mas o horror da bomba atômica permanece vivo em cada um dos sobreviventes.

Acredito que junto com o filme para televisão feito pela BBC "Threads: Catástrofe Nuclear" (1984) e a animação "Gen - Pés Descalços" (1983), esta é uma das mais contundentes obras acerca das consequências de um ataque nuclear sobre a população. Trazendo uma evidente denúncia sobre o horror vivenciado pelo povo japonês quando da detonação da bomba atômica sobre o país, a história acompanha os anos subsequentes ao ataque e as consequências da exposição à radiação em diferentes personagens. O foco principal é Yasuko e seus tios, que buscam um possível noivo para a sobrinha conforme a tradição japonesa da época. No entanto, o fato de Yasuko vir de Hiroshima é um forte impeditivo para que algum pretendente se interesse, mesmo que ela não tenha qualquer sintoma relacionado à radiação. Assim, além das terríveis memórias do ataque e do eterno risco à saúde, a jovem ainda vive com um estigma que a impede de ter a vida normal de moça japonesa de sua idade, Para piorar, o assunto é um tabu e ela só pode dividir suas dores e lembranças com outros sobreviventes. A narrativa é não-linear e alterna algumas cenas do dia do ataque com o cotidiano da família cinco anos depois em Fukuyama. O ritmo é lento, mas não tanto quanto outras obras japonesas clássicas, como os filmes do mestre Ozu ou outros do próprio Shohei Imamura. Óbvio que a atmosfera é triste e angustiante, principalmente quando alguns personagens começam a desenvolver efeitos e doenças ligadas à radiação. As cenas do dia do ataque são terrivelmente perturbadoras, mostrando corpos imediatamente carbonizados e sobreviventes desfigurados pela pele que desgruda da carne, enquanto andam feitos zumbis atrás de algo que nem eles sabem o que é. Não é um filme de fácil digestão e é impossível passar incólume por ele. Agradeço a Imamura por ter optado usar fotografia P&B na obra, tornando as cenas do ataque um pouco mais palatáveis. O elenco, ótimo, consegue trazer aos personagens a sobriedade necessária para transmitir aquela dor já tão internalizada que não transparece por arroubos, mas por certa tristeza acumulada no olhar e na expressão facial. Nesse sentido, vale destacar os trabalhos de Yoshiko Tanaka como Yasuko e Kazuo Kitamura como o tio; também gostei muito do contraponto do ator Keisuke Ishida, que interpreta o personagem Yuichi, que ostenta stress pós-traumático e reage com desespero a qualquer som de motor. É um filme tocante, potente, crítico e doloroso, mas necessário. Recomendo demais.
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