Filme do dia (238/2021) - "Corrida Sem Fim", de Monte Hellman, 1971 - Dois jovens perambulam pelos EUA com um Chevy '55 "envenenado" atrás de competições de corrida não oficiais. No caminho, encontram uma moça que vaga pelo país com seus poucos pertences, a qual se junta aos jovens por pura conveniência, sem planejar qualquer destino.

Este road movie, primo-irmão do excelente "Sem Destino" (1969), pode parecer, à primeira vista, apenas uma história sobre jovens rapazes e seus carros potentes, mas ele é bem mais do que isto. Fazendo uma crítica profunda à sociedade norte-americana e à realidade de toda uma geração, o filme escancara a desilusão, a falta de perspectivas e o vazio interior dos norte-americanos em geral, naquele momento histórico explosivo do auge da Guerra do Vietnã, dos movimentos sociais pelos direitos civis e pelo fim da guerra e do advento da contracultura. Nesse sentido, temos personagens que vagam sem destino, sem objetivos, sem sonhos ou aspirações, com absoluta dificuldade em se relacionar, verdadeiros fugitivos de si próprios. Os personagens são tão esvaziados que sequer nomes têm, o que também nos remete à ideia de que essa lacuna emocional mostra-se generalizada naquela sociedade. A narrativa é linear, em um ritmo mais lento do que se esperaria para uma obra que trata de veículos velozes. A atmosfera é de angústia, desilusão e pouca esperança. Os personagens são emblemáticos e muito bem estabelecidos em seus dramas interiores - "o piloto" é incapaz de se relacionar com outras pessoas senão através de seu vínculo com os carros, isto é, qualquer relação sua tem, necessariamente, de passar pelo motor de um automóvel; o personagem "G.T.O.", com quem "o piloto" compete, sofre com sua óbvia solidão e cria realidades e histórias fantásticas em uma tentativa vã de viver uma vida diferente da sua, com outros significados; "a garota", incapaz de estabelecer vínculos duradouros, pula de carona em carona, evidenciando sua busca por algo que nem mesmo ela sabe o que é; em comum, a necessidade de vivenciar fortes sensações, embriagar-se de adrenalina, para, assim, suprir um vazio interior sem solução. A concepção do filme é incrível, mas admito que sofri um pouco para assisti-lo, pela questão pessoal de detestar qualquer narrativa que envolva carros como mote (mas isso é meu, tenho consciência de que a obra é ótima, um grande exemplo de filme do novo cinema de Hollywood). Tecnicamente, o filme nos remete ao cinema independente, pois longe do primor técnico que, via de regra, o cinema mainstream tem. Assim, temos, aqui, uma fotografia mais "suja", bastante granulada (principalmente nas cenas noturnas), com planos bem "padrão" - é claro que o esmero técnico não foi grande preocupação do diretor. Ao longo do filme, toda e qualquer música é diegética - isto é, faz parte do universo ficcional. São comuns os planos bem silenciosos, isto é, só com o som ambiente, pois há uma economia profunda nos diálogos. Aliás, vários são os diálogos que aparentam aleatoriedade - não se engane, praticamente todas as falas têm um significado oculto, que remete àquele vazio existencial, àquela situação angustiante em que os personagens estão mergulhados. O elenco é composto por James Taylor (sim, o compositor!), ótimo como o esvaziado "piloto", Dennis Wilson como "o mecânico", Laurie Bird como "a garota" e Warren Oates como "G.T.O.", também excelente em seu papel (eu, particularmente, gostei muito desse personagem: sua carência e necessidade de afeto e atenção é gritante, ainda que ele, em momento algum, verbalize isso). Harry Dean Stanton, em começo de carreira, aparece em uma ponta. A obra é melhor após uma leitura crítica, mas, com certeza, será ainda melhor aproveitada por alguém que não tenha o meu ranço com a questão da importância dos "carros velozes" na história. Destaque para cena final, metalinguística ao extremo e bastante significativa nesse universo de desilusão e autodestruição. Recomendo. PS - Quem diria que o James Taylor foi tão bonito na juventude, hein??? Surpresa.
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