Filme do dia (223/2021) - "Crime Ferpeito", de Alex de la Iglesia, 2004 - Rafael (Guillermo Toledo) é um ambicioso vendedor de uma loja de departamentos. Ele sonha em alçar à gerência, mas, para tanto, precisa suplantar seu principal concorrente, Don Antonio (Luis Varela). Um acidente tirará Don Antonio de seu caminho, mas, em compensação, fará com que Lourdes (Mónica Cervera), a vendedora mais feia da loja aproxime-se de Rafael e passe a chantageá-lo.

Recheada de humor ácido e situações insólitas, a obra evidencia o talento do diretor espanhol Alex de la Iglesia ao trazer uma história que pode ser apreciada tanto por quem quer apenas um bom entretenimento, quanto por quem gosta de críticas sociais e busca um filme com maior profundidade. Isto porque, sob a comicidade da obra, temos uma severa crítica ao consumismo, à busca por status e à importância dada às aparências. Há, também, uma forte crítica ao padrão estético imposto pela sociedade, ainda que isso só seja perceptível nos últimos minutos da obra. O personagem Rafael é movido por sua ambição e sua vaidade. Ele vive quase miseravelmente pois toda a sua energia está focada num futuro onde ele ascenderia na sociedade, ganhando o seu tão sonhado status de gerente - até lá, no entanto, ele leva a sua existência na base das aparências, o que o faz ter um sucesso arrebatador entre as vendedoras da loja em que trabalha. Rafael é egoísta, arrogante, superficial, fútil e ardiloso, mas, curiosamente, ganha certa simpatia do público ao começar a colher os frutos de sua ambição e hipocrisia e comer o pão que o diabo amassou nas mãos de Lourdes. Essa, por seu lado, alia paixão com uma boa dose de psicopatia - se ela se mostra, por vezes, doce e carinhosa, quando contrariada torna-se um verdadeiro demônio e não tem qualquer pudor em ameaçar e chantagear Rafael. Ainda assim, Lourdes também consegue angariar simpatia do espectador por ser tão desprezada por Rafael tão somente por não estar dentro dos padrões estético vigentes. A narrativa tem um ritmo ágil e crescente. A obra apoia-se bastante no trabalho de interpretação da dupla central - Guillermo Toledo e Mónica Cervera tem especial apelo cômico e até eventuais exageros compõem bem no total da obra. Curioso que eu havia visto esse filme há alguns anos e não tinha gostado muito - fiquei feliz em revê-lo e perceber que eu devia estar em um mau dia, porque ele é bem divertido. Acho que vale a visita e aconselho também o ótimo "O Dia da Besta" (1995), do mesmo diretor e igualmente impagável.
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