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  • hikafigueiredo

“Dias Perfeitos”, de Wim Wenders, 2023

Filme do dia (32/2024) – “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders, 2023 – Hirayama (Koji Yakusho) é um homem solitário que trabalha com a limpeza de banheiros públicos em Tókio. Seus dias são metodicamente vividos, mas alguns acontecimentos trazem, à tona, o conturbado e doloroso passado de Hirayama.




 

Partindo da inflexível rotina do protagonista – que repete, diariamente, os mesmíssimos movimentos, dentro e fora de seu trabalho -, o diretor consegue escrever uma bela e poética história sobre a resiliência e a arte de deixar o passado para trás e assumir uma paz inexorável. Nosso protagonista é Hirayama, um modesto funcionário da empresa responsável pela limpeza dos banheiros públicos da cidade de Tókio. Dia após dia, Hirayama sai de sua diminuta e claustrofóbica residência e se desloca para os mesmos banheiros públicos, onde exerce, minuciosamente e com aparente prazer, seu trabalho de limpeza. Após, segue uma rotina rígida, que inclui frequentar uma casa de banhos pública e jantar no mesmo food truck. O espectador acompanha esse dia a dia simples e quase insalubre – e Wim Wenders consegue fazer essa repetição de forma não exaustiva ou incômoda – até que pequenas modificações da rotina causadas por terceiros descortinam acontecimentos passados insuspeitos do protagonista. Percebemos, então, que essa rotina autoimposta, a qual traz uma confortável placidez à vida do personagem, nada mais é que uma carapaça que encobre as profundas dores sentidas por Hirayama. O protagonista apenas aparenta ser um lago de águas calmas, mas, na verdade, sob a calmaria, esconde águas revolutas e caóticas. É interessante perceber que o diretor revela apenas o suficiente para que o espectador tenha uma parca noção do passado movimentado do personagem, sem jamais entregar detalhes minuciosos de sua história. Certo é que a vida simples, regrada e modorrenta de Hirayama foi uma escolha própria, foi uma serenidade que ele se impôs, aparentemente para não sucumbir às dores do passado. A narrativa é completamente linear, em ritmo bastante lento e constante. A atmosfera transita entre o confortável e o angustiante, dependendo do estado de espírito do próprio protagonista. Formalmente, a obra é convencional, sem grandes invenções quanto à linguagem cinematográfica utilizada. Destaco a forma como a fotografia aproveita os espaços minúsculos da casa do personagem para expor a rigidez de sua rotina – se, no início aquele lugar nos desperta certa claustrofobia, ao final entendemos quanto aquilo tudo significa de ordem para a vida de Hirayama. Destaco, também, a trilha sonora excepcional do filme, alternando longos silêncios – sim, é um filme bastante silencioso, com pouquíssimos diálogos – com ótimas músicas, sempre diegéticas (pertencentes ao espaço ficcional da obra), que vão de The Velvet Underground a Nina Simone, passando por The Rolling Stones, Lou Reed, The Kinks e The Animals, dentre outros, numa pegada meio “autoajuda” para o personagem. Ainda que o protagonista interaja com outros personagens, o filme é completamente de Koji Yakusho como Hirayama. O ator capta as menores nuances da alma do protagonista, trazendo para detalhes de suas feições ou de sua linguagem corporal. A cena final é excepcional, uma explosão de talento do ator. Koji Yakusho, inclusive, foi agraciado com o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes (2023). O filme foi indicado à Palma de Ouro em Cannes e concorreu ao Melhor Filme Estrangeiro no Oscar (2024), no César (2024) e no Critics’ Choice Award (2024). Confesso que AMEI a obra – achei-a sensível, delicada e bastante tocante – e recomendo demais! A título de curiosidade, o filme foi produzido por uma empresa japonesa a partir de uma projeto para divulgar uma série de novos banheiros públicos em Tókio assinados por diferentes designers – o que era para ser um filme corporativo acabou na cerimônia do Oscar e nos tapetes do Festival de Cannes...

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