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hikafigueiredo

Dodeskaden - O Caminho da Vida", de Akira Kurosawa, 1970

Filme do dia (48/2021) - Dodeskaden - O Caminho da Vida", de Akira Kurosawa, 1970 - Em uma favela construída sobre um aterro sanitário, diversos moradores lutam pela sobrevivência, tentando superar suas dores e limitações enquanto sonham com outra realidade.




Este doloridíssimo filme do mestre Kurosawa discorre sobre o lado mais trágico e nefasto da miséria - não apenas a miséria econômica, mas, também, a miséria humana, aquele lado sombrio da alma das pessoas, que as leva a agir de maneiro odiosa com os outros ou consigo mesmas. A obra acompanha o cotidiano de diversos moradores de uma favela construída sobre um lixão: um rapaz com problemas mentais que se imagina como condutor de bonde, sua obsessão; dois alcoólatras que trocam de esposas constantemente; uma adolescente que é explorada e abusada pelo tio, seu tutor; um pai e seu filho pequeno que divagam sobre a construção de uma casa ideal para os dois; um homem com uma deficiência física casado com um esposa de gênio muito difícil; um homem traído que perdeu o brilho da vida; um homem que cria, com amor, os muitos filhos de sua esposa adúltera; um grupo de mulheres que fofocam sobre os vizinhos; um idoso que vê a existência sabiamente e não julga os demais. Como um mosaico, o diretor acompanha momentos pontuais de cada um dos personagens, revelando, por um lado, a ausência de perspectivas e a pouca possibilidade de mudanças, e, por outro, os subterfúgios utilizados para sobreviver às agruras da vida (a imaginação, os sonhos, a bebida e, até mesmo, o amor e a devoção a alguém ou alguma coisa). A narrativa é linear, mas bastante fragmentada devido às várias histórias concomitantes. A atmosfera é melancólica, com algum alívio cômico através da cena dos alcoólatras que trocam de esposa e das lavadeiras fofoqueiras. Inúmeras são as cenas constituídas unicamente por planos-sequência de um dos núcleos de personagens. A fotografia trabalha com cores muito saturadas e ganha tonalidades diferentes para os diversos núcleos - destaque para o núcleo do pai e do filho indigentes, que ganham contornos claramente expressionistas. Destaque para a edição de som das cenas de Roku-Chan, o menino com deficiência que se imagina conduzindo um bonde. A direção de arte também é um capítulo à parte, pois muda radicalmente de um bloco para outro, marcando bem os diversos núcleos e personagens. Apesar de ser formado por diversas pequenas cenas, o filme não se mostra truncado, sua evolução ocorre suavemente. O elenco é enorme, mas destaco o trabalho de Yoshitaka Zushi como Roku-Chan e Noboru Mitani como o indigente Beggar (tive certa dificuldade em descobrir o nome dos atores porque nos créditos aparece o nome dos personagens, alguns jamais mencionados durante o filme - impossível saber quem é quem). A obra me impressionou demais - ela é muito tocante e sensível, ainda que traga uma tristeza crua embutida. Recomendo.

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