Filme do dia (136/2022) - "Domingo e A Neblina", de Ariel Escalante Meza, 2022 - Em meio às montanhas da Costa Rica, o idoso Domingo (Carlos Ureña) vive sozinho em sua casa. O imóvel está bem no caminho de uma nova rodovia que está sendo construída e mesmo sob a pressão dos empreiteiros, o homem se nega a deixar o lar, construído junto com a esposa já falecida.
Hmmm... Prometendo bem mais do que entrega, a obra vai discorrer sobre culpa, redenção, memória e apego, além de retratar a lógica perversa do mercado que passa por cima de tudo e de todos em nome de um pretenso desenvolvimento. Nosso protagonista nega-se a deixar sua residência porque acredita que a falecida esposa visita-o todas as noites na forma de uma espessa neblina. Apegado às suas memórias, o solitário homem vivencia a culpa de ter sobrevivido à esposa e de ter sido um péssimo companheiro quando ela ainda viva. Essa culpa o corrói a ponto de buscar uma alternativa fantástica a esse sentimento - a crença cega de que foi perdoado pela esposa, tanto que ela o procuraria todas as noites em sua casa, sempre como uma densa neblina. O personagem finca o pé em suas terras quando seus vizinhos e os poucos amigos começam a partir da região em decorrência da pressão dos construtores da estrada que se aproxima. Mas Domingo - como a recalcitrante Clara de "Aquarius" (2016) - resiste brava e impiedosamente às incursões dos empreiteiros à sua casa, mesmo quando estes deixam de lado qualquer verniz e passam a mostrar os dentes e proferir ameaças - veladas ou não - ao idoso. Aqui, o diretor vai, ainda, enveredar pela lógica maquiavélica do capitalismo, que visa, antes de tudo, o lucro, custe o que custar - mas de forma bem mais branda e superficial do que vemos no filme "Aquarius", já mencionado, e que trata de tema conexo (inclusive a obra nacional me pareceu ser bem mais que simples inspiração para o filme). O argumento, em si, é bem interessante, mas devo confessar que o desenvolvimento do roteiro é errático e repleto de equívocos. Tive a sincera impressão de que o diretor - que também assina o roteiro - sabia como começar o filme e tinha bem claro os temas que queria abordar, mas não tinha nem ideia de como finalizar a obra. O resultado não poderia ser mais "Lost" (a série de 2004/2010) - o diretor leva a história até um ponto e daí arranja um jeito ruim de terminá-la simplesmente. A narrativa é linear, em um ritmo lento. A atmosfera abraça a fantasia, o elemento mágico, muito embora esteja bastante claro tratar-se de pura crença do protagonista. A obra, por outro lado, esbanja na qualidade dos quesitos técnicos - da fotografia, belíssima, que brinca sem parar com a neblina, à edição de som, riquíssima. O filme é lindo de se ver, tem imagens incríveis, que muitas vezes me deixaram inebriada a ponto de esquecer da fragilidade do roteiro. O elenco traz o ótimo Carlos Ureña como Domingo, e seu trabalho é sutil na mesma medida em que é grandioso, pois passa emoções e sensações nos detalhes. Apesar dos acertos, concentrados, principalmente, nas questões técnicas, o filme me deixou, ao fim, com um gosto amargo na boca e com a sensação de ter sido ludibriada. Não vou dizer que é horrível... mas deixou bem a desejar. Tem coisas melhores na Mostra, não vou recomendar não.
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