Filme do dia (96/2021) - "Dona Flor e seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, 1976 - Bahia, 1943. Durante o carnaval, Vadinho (José Wilker), o mulherengo e malandro marido de Dona Flor (Sônia Braga), sofre um enfarto fulminante e falece. Inconformada, Dona Flor mantem-se de luto por meses, enquanto relembra sua relação com Vadinho, até começar a ser cortejada pelo Dr. Teodoro (Mauro Mendonça), um homem completamente oposto a Vadinho.

Baseado na obra homônima de Jorge Amado, o filme é um dos mais conhecidos da filmografia nacional, tendo permanecido, por anos, como a maior bilheteria do cinema brasileiro. A obra é uma comédia maliciosa que contrapõe a personalidade dos dois maridos da personagem Dona Flor - de um lado, o malandro e abusado Vadinho que, se para a sociedade era um péssimo marido para a moça, no recôndito da alcova mostrava-se magnífico amante; de outro, o pacato Teodoro, que, muito embora mostrasse-se um marido exemplar, na cama não trazia tanta emoção e ousadia. Entre ambos, a personagem Dona Flor, que sonhava com um marido que agregasse seriedade no casamento e lascívia na cama, mas acabou tendo tais virtudes separadas em dois homens diferentes. Protelei, por anos, assistir a essa obra, não por preconceito, mas apenas por certo descaso mesmo. E tenho de confessar que a expectativa estragou, em parte, a experiência, pois fiquei com uma sensação de "é só isso?" ao terminar o filme. O problema é que já se falou tanto na obra e se revelou tanto da história que eu senti que faltou algo que me surpreendesse na narrativa. O filme é exatamente isso: Dona Flor equilibrando as questões do falecido e do atual. A narrativa é não linear, pois começa em um ponto, retrocede ao casamento de Dona Flor e Vadinho, volta para o luto da viúva e daí passa a acontecer de maneira cronológica. O ritmo é moderado, mas constante. A atmosfera é brejeira, brincalhona, com toques de sensualidade, para não dizer abertamente sacanagem. Provavelmente, para os anos 70, o filme era bastante ousado, mas, para os tempos atuais, não há nada que vá chocar o público - alguns nus, algumas cenas de sexo mais apimentadas, mas nada explícito ou por demais despudorado. As locações baianas conseguem nos remeter aos anos 40 sem causar estranheza, muito por conta da direção de arte de época caprichada. A fotografia, para os dias atuais, parece um pouco "lavada", sem contraste e com cores pouco saturadas (não saberia dizer se tem uma explicação técnica para isso). A montagem é mais criativa, brincando, de certa forma, com a temporalidade da história. A música tema é a célebre "O Que Será (À Flor da Pele)" de Chico Buarque e Francis Hime (música do Chico em filme é para poucos, vai....). O elenco não poderia ser mais adequado: José Wilker está impecável como o malandrão, boêmio, jogador e mulherengo Vadinho - não consigo pensar em intérprete melhor para o personagem; Sônia Braga, da mesma forma, também assume com maestria a dicotômica personagem Dona Flor - séria e recatada no dia a dia, Dona Flor era fogosa na intimidade; e Mauro Mendonça também está ótimo como o sujeito bonachão e dedicado à família e aos estudos, Dr. Teodoro. A obra é divertida, mas não traz novidades (muito provavelmente por já ter visto pedaços do filme na televisão algumas milhares de vezes). Em todo caso, vale pela importância histórica.
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