Filme do dia (01/2024) – “Ensina-me a Viver”, de Hal Ashby, 1971 – Harold (Bud Cort) é um jovem milionário emocionalmente carente e com fixação na morte, que simula seu suicídio por diversas vezes na vã tentativa de chamar a atenção de sua mãe; Maude (Ruth Gordon) é uma mulher de 79 anos, livre e sem preconceitos que vive intensamente seus sonhos e vontades. Harold e Maude conhecem-se ao acompanhar o funeral de um desconhecido – hábito estranho compartilhado por ambos -, e a energia vital de Maude irá surpreender o rapaz, levando-o a se apaixonar pela septuagenária.
Apesar de seu total fracasso nas bilheterias na época de seu lançamento, a obra foi, com o tempo, elevada a filme cult e vem sendo festejada como um ícone da contracultura da década de 70 ao ir de encontro às bases do sistema patriarcal e se mostrar francamente contra as guerras e a favor da vida e da liberdade. Na história acompanhamos o jovem herdeiro Harold que, a despeito de sua sólida situação financeira, tem fixação na morte devido à evidente frieza de sua mãe. O rapaz tenta chamar a atenção de sua genitora através de inúmeras simulações de suicídio, sem qualquer sucesso, o que o torna ainda mais carente de afeto. Ele conhece Maude, uma mulher de 79 anos que é praticamente seu oposto – cheia de energia, Maude abraça a vida com intensidade e se nega a se deixar abater, realizando seus desejos e vontades sem se importar com a opinião alheia. Harold torna-se próximo de Maude e acaba se apaixonando pela idosa. O filme é deliciosamente resistente, postando-se contra toda a ordem estabelecida e socialmente aceita na época (décadas de 60 e 70) – a obra claramente opõe-se contra o sistema patriarcal e o capitalismo ao colocar uma mulher idosa tomando a frente, colocando-se a favor da paz, desprezando a ideia de propriedade privada (ela furta carros e não se mostra minimamente preocupada em acumular qualquer riqueza, enquanto Harold é completamente infeliz mesmo sendo um milionário) e reverenciando a liberdade, inclusive a sexual. Não duvido que o filme tenha chocado muitos na época e por diversos motivos, ainda que a questão etária seja a mais evidente (lembrando que homens ricos idosos acompanhados de jovenzinhas não chocam ninguém). Gosto de como a obra trabalha os detalhes: a inscrição no braço de Maude, dando a entender que ela é sobrevivente dos campos de concentração nazistas; a simulação de autoimolação de Harold remetendo aos protestos contra a Guerra do Vietnã e a ocupação do Tibete pela China; a mudança gradual no figurino de Harold a demonstrar sua libertação dos padrões; dentre outros. O roteiro de Collin Higgins é bem estruturado, ainda que me doa o desfecho, muito embora ele faça sentido (sem spoilers). A narrativa é linear, em ritmo moderado, mas crescente. A atmosfera é anárquica, livre, quase libertina, e me remete à contracultura dos anos 60 e 70. A fotografia envelheceu meio mal e suas cores sem brilho e sem saturação me parecem descoladas da ideia de vida e liberdade que o filme passa. A trilha sonora de Cat Stevens é gostosa, mas achei as letras de suas músicas um pouco óbvias demais. Gostei bastante do desenho de produção – a maneira como é o entorno de Harold já denota o engessamento da vida do rapaz e se contrapõe ao verdadeiro caos em que Maude vive, sempre remetendo à dicotomia prisão/liberdade. Quanto às interpretações, temos Ruth Gordon, que recentemente fora agraciada com o Oscar (1969) de Melhor Atriz Coadjuvante por “O Bebê de Rosemary” (1968), muito à vontade como a doidivana Maude, apaixonante em sua reverência à vida; Bud Cort, por sua vez, está ótimo como o infeliz e carente Harold (destaque para a cena do psicólogo e para a cena do aniversário de 80 anos de Maude). Eu gosto demais deste filme por ele ser tão contrário à ordem vigente a ao regramento socialmente estabelecido. Recomendo bastante.
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