Filme do dia (117/2024) – “Feliz Ano Velho”, de Roberto Gervitz, 1987 – Após sofrer um acidente que lhe tira o movimento das pernas e das mãos, Mario (Marcos Breda) faz uma retrospectiva de sua existência, recupera momentos e pessoas importantes da sua história e busca um novo significado para a sua vida.
Baseado no livro autobiográfico homônimo, de Marcelo Rubens Paiva, o filme tece um panorama da vida do autor (cujo nome foi alterado para “Mário”), da sua tenra juventude até o acidente que o deixou tetraplégico, e indo além, ao retratar sua busca por novos significados para sua vida. Na história, encontramos Mário após seu acidente, hospitalizado e agora tetraplégico. Ele passa dias e noites remoendo sua condição e relembrando passagens da sua vida, num mosaico aleatório e multiforme da sua existência. Mesclando reminiscências, sonhos e devaneios de Mario, a narrativa vai montando, lentamente, o quebra-cabeça da vida daquele jovem de classe média, marcado por dúvidas, medos, inseguranças e pela perda prematura de seu pai, um desaparecido político da época da ditadura militar no Brasil. Nesta trajetória, Mario precisa superar a raiva que sua nova condição desperta em si próprio, ultrapassar mágoas e dores preexistentes, ressignificar acontecimentos e pessoas e buscar novos objetivos para si, antes de alcançar a tão almejada paz de espírito. A narrativa é não linear, muito embora seja possível acompanhar uma linha temporal mínima no “momento presente” de Mario, que vai da internação hospitalar para a recuperação em casa e, daí, para a superação de sua condição. A maior parte da história, no entanto, foca nas lembranças, por vezes confusas, do protagonista, incluindo, principalmente, sua relação com amigos e com a ex-namorada Ana, pontos nevrálgicos das memórias de Mário. A atmosfera inicial é bastante depressiva, mas vai ganhando novas cores à medida em que Mário aceita sua nova realidade e parte para novos sonhos. Conhecendo o livro, lido ainda na adolescência, acho que o diretor fez um bom trabalho de transposição para a tela, mantendo o formato alternado do livro e a atmosfera mutável. Mas, se o roteiro está muito bem, o mesmo não se pode dizer dos quesitos técnicos. A qualidade de som ainda é bastante ruim e, se não fossem as legendas, eu teria perdido vários diálogos; a fotografia entra de sola nos maneirismos da década de 1980 e exagera na iluminação colorida – temos cenas em que tudo está completamente azul, outras vermelho, ou verde; entendo que o diretor de fotografia tenha intentado criar uma aura onírica, o que até consegue, mas eu acho que ele pesou um pouco a mão nessa iluminação. A edição é bastante fiel ao livro, como já mencionado. Quantos às interpretações, acho que faltou um pouco de direção de atores ali – Marcos Breda está um pouco engessado e mesmo Malu Mader e Betty Gofman, que interpretam, respectivamente Ana/Ângela e Soninha, não parecem completamente naturais Aliás, existe certo degrau entre os atores mais jovens e os mais experientes – enquanto os primeiros encontram-se rígidos nas suas interpretações, os últimos parecem bem mais à vontade, caso de Marco Nanini como Beto e Eva Wilma como Lúcia (daí eu achar que foi falta de melhor direção de atores). Este é mais um filme pelo qual tenho memória afetiva profunda, já que, junto com o livro e a peça, fez parte da minha adolescência e juventude, motivo pelo qual minha opinião pode estar um pouco viciada. Eu gosto do filme, mesmo com suas limitações, e o recomendo com carinho. Como era de se esperar, o filme não está disponível em streaming, só em torrent e mídia física.
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