Filme do dia (05/2022) - "Harakiri", de Masaki Kobayashi, 1962 - Japão, ano de 1630. O ronin Hanshiro Tsugumo (Tatsuya Nakadai) chega a residência do Clã Iyi e solicita autorização para cometer o suicídio ritualístico samurai - seppuku - em seu átrio. Com a permissão concedida, antes de começar o ritual, no entanto, o ronin pede para narrar sua história, com resultado surpreendente.
No Japão, após décadas de lutas entre os diversos clãs, o poder político é centralizado nas mãos do Xogunato Tokugawa, dando início ao Período Edo (1603-1868). Após abolir clãs inimigos e delegar poderes aos clãs aliados, o Xogunato Tokugawa estabeleceu um longo período de paz. Enfraquecidas, inúmeras famílias inimigas dispensaram seus samurais, os quais se tornaram ronins (samurais sem senhores), que tiveram de buscar outras formas de sobrevivência. Este é o pano de fundo da obra que retrata a história de um ronin disposto a fazer jus à honra samurai, ao mesmo tempo em que revela a hipocrisia das tradições dos clãs e quanto os detentores do poder manipulam a informação em seu próprio benefício. A narrativa vai, pouco a pouco, revelando os podres e interesses por trás dos valores estabelecidos, colocado por terra o aclamado código de honra do clã em questão (o que poderia ser estendido a todos os demais clãs). A narrativa é não-linear, entremeando o presente (o momento em que Tsugumo realizaria seu suicídio) com o passado (a história contada pelo ronin), com claro objetivo de criar suspense - o que faz com muito sucesso. O ritmo é lento, mas não aquela lentidão do cinema cotidiano típica de Ozu ou Naruse - é um ritmo vagaroso que promete algo, que insinua que, a qualquer momento, tudo vai mudar, criando certa tensão no espectador. A atmosfera é de apreensão, a sensação de "estar quase lá, mas ainda não", o que, em mim pelo menos, gerou certa agonia, como se eu quisesse arrancar as palavras do protagonista para descobrir logo o desfecho. O roteiro, pormenorizado, é absolutamente amarrado, não deixando arestas. Visualmente, o filme é um deslumbre, com sua fotografia P&B contrastada e seus planos construídos como pinturas. Aqui, temos uma gama bem variada de planos, que vão de planos abertos a planos detalhe, bem como posicionamentos de câmera que não se limitam à altura dos corpos. Ainda que com parcimônia, observamos alguns movimentos de câmera, usados com maestria em momentos pontuais. A trilha sonora privilegia a sonoridade local através do uso de instrumentos tipicamente japoneses. Destaque para a cena da luta no campo sob vento intenso e para a cena final onde as cartas são postas à mesa. O elenco traz Tatsuya Nakadai como Tsugumo, em uma interpretação visceral; Akira Ishihama como Motome, em interpretação igualmente intensa, em especial na cena do harakiri; e Shima Iwashita como Miho. O filme, magnífico, foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri em Cannes (1963), muito merecidamente. Verdadeira obra-prima e tida como um dos maiores filmes do cinema samurai (ao lado de "Os Sete Samurais", 1954, de Akira Kurosawa), a obra é essencial para qualquer um que gosta de cinema de qualidade. Vale cada segundo. Recomendo demais.
Comments