Filme do dia (156/2024) – “Herege”, de Scott Beck e Bryan Woods, 2024 – Irmã Barnes (Sophia Thatcher) e irmã Paxton (Chloe East) são duas missionárias mórmons que saem para visitar possíveis convertidos em suas casas. Elas se dirigem à residência do Senhor Reed (Hugh Grant) sem imaginar que isso será um grande erro.
Neste filme de terror psicológico com temática religiosa e filosófica, temos um verdadeiro embate de ideias relacionadas à fé e à descrença. O argumento defendido pelo personagem Sr. Reed é irrefutável – as religiões, antes mesmo de dissertarem sobre qualquer questão espiritual ou metafísica, apoiam-se em uma ideia de poder: qualquer que seja seu deus ou ser supremo, as religiões impõem seu poder a seus seguidores que, quanto mais creem, mais submissos e não questionadores se tornam, legando um poder extremo àqueles que decidem os rumos de tal fé (profetas e sacerdotes de diversos tipos). Qualquer pessoa questionadora e que use da razão – mesmo aquelas que possuem alguma crença – sabem que religião versa muito sobre o poder e, ainda que isso possa abalar os mais devotos, é algo que não se pode negar. Pois esse é o ponto nevrálgico da narrativa – o Sr. Reed tenta, através de argumentos racionais, demonstrar o que há por trás das religiões, usando, ainda, de jogos psicológicos extremos e cruéis para “converter” as missionárias ao seu ponto de vista. O argumento do filme é ótimo e muito promissor, abrindo possibilidades quase infinitas para um desenvolvimento sólido e contundente. E é o que temos... até dois terços da narrativa. Os jogos psicológicos e a argumentação do personagem Sr. Reed dominam o filme até esse momento e isso é feito com maestria. Em compensação, o terço final desanda tudo o que havia sido construído até então, chegando a um desfecho preguiçoso, covarde e frágil, pois apoiado em revelações que não se sustentam. E vou além... o desfecho me pareceu ter sido escrito por uma pessoa que discorda de toda a argumentação construída até então, uma pessoa de fé inabalável e que acredita piamente nos dogmas religiosos. Eu tive a sensação de que o filme quis dar um “cala-boca” na racionalidade, apelando para os “nobres sentimentos provindos das religiões” e para acontecimentos “mágicos”. Ah, o filme estava ótimo sem esse desfecho capenga!!!! Uma pena, porque a obra realmente consegue criar uma atmosfera de tensão – tensão não, terror mesmo! – até seus minutos finais, isso sem apelar para “jumpscares” ou cenas “gore”. Fiquei com dor no coração de um filme tão promissor ter um final tão decepcionante tão no finalzinho! Tecnicamente é um filme ótimo – fotografia, desenho de produção e som, tudo é milimetricamente construído para extrair o máximo de tensão. A concepção da casa do Sr. Reed é incrível – quanto mais as meninas tentam sair do local, mais “fundo” elas entram na residência e mais assustador e claustrofóbico tudo se torna. Adorei a menção à música “Creep”, do Radiohead. Adorei a menção a deuses antigos, religiões pagãs e demais informações sobre “dogmas reaproveitados” pelas religiões monoteístas. Adorei as argumentações do Sr. Reed e alguns de seus questionamentos. Mas... detestei o final. Quanto às interpretações, tive muita dificuldade em dissociar a imagem de Hugh Grant das centenas de comédias românticas que ele fez na vida – ele fez tudo certinho, mas, a realidade, é que não consigo vê-lo como um vilão, psicopata, ou qualquer outra definição do tipo. Já as atrizes Sophia Thatcher e Chloe East foram “suficientes”, mas não passaram muito disto. Não sei se pela atitude, mas simpatizei mais com a personagem Barnes e, consequentemente, preferi o trabalho de Sophia Thatcher ao de sua companheira de elenco. Enfim... é um filme incrível que derrapa no final. Aconselho para quem quer aproveitar o climão e não se importa com finais porcos. Atualmente no cinema, deve chegar em streaming em breve.
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