Filme do dia (372/2020) - "Homem Mau Dorme Bem", de Akira Kurosawa, 1960 - Japão, década de 50. Um jovem executivo de uma grande construtora elabora um ousado plano para expor os dirigentes da empresa e os altos funcionários de um departamento do governo cujas ações corruptas levaram à morte de seu pai.
Sou profunda admiradora da obra de Kurosawa, que, não bastasse ser genial, ainda fazia dobradinha com Toshiro Mifune, ator irretocável (além de lindo). Neste filme, Kurosawa discorre sobre o ambiente corporativo, as relações viciadas entre empresas e órgãos governamentais e, claro, a corrupção envolvendo funcionários públicos e os executivos das grandes empresas, revelando a natureza profundamente corrompida (ou corrompível) do ser humano. Que fique claro que, diferente de outras obras do diretor, que trazem mensagens otimistas e soluções redentoras, aqui a banda toca diferente e o desalento é o que dá o tom. O filme traz uma estética inspirada no filme noir, com sua fotografia contrastada e ambientes escuros. Não vou mentir - foi uma obra que demorou para me "pegar" e durante bem uns 40 minutos eu lutei contra um sono insistente. Imputo essa demora para me envolver com a obra à história que começa bastante nebulosa - durante muito tempo, não conseguimos vislumbrar quais são as intenções dos personagens e quem é quem no jogo que começa a se formar entre eles. Mas, é "um Kurosawa", selo que garante que, mais cedo ou mais tarde, o filme vai se revelar no mínimo ótimo - e foi o que aconteceu, pois, quando consegui me situar na narrativa, o sono desapareceu e eu passei a acompanhar a trama com bastante interesse. A narrativa é linear, o ritmo começa bastante lento, mas vai ganhando agilidade no decorrer da história e a atmosfera é de suspense na maior parte do tempo - com um desfecho que vai estragar o nosso fígado. No elenco, atores recorrentes nas obras de Kurosawa e Mizoguchi, como o excepcional Takashi Shimura (idolatro esse ator desde que o vi em "Viver", 1952), Chishu Ryu, Takeshi Kato, katamari Fushiwara e a maravilhosa Kyoko Kagawa, no papel de Yoshiko. Mas, óbvio-evidente-cristalino que o destaque absoluto fica por conta de Toshiro Mifune, deus absoluto do panteão de atores e atrizes que atingiram um outro patamar (<<<< fan detected). O ator consegue trazer mil nuances ao personagem Nishi, que não pode ser considerado um herói, tampouco vilão - ele se mantém ali no limite entre o bem e o mal, mas, ainda assim, ele arrebata o espectador. Apesar do início um tanto quanto arrastado, o filme ganha ritmo e se sustenta muito bem até o desfecho: Kurosawa-Mifune sendo gigantes, como sempre. Recomendo, claro.
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